quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ferreira Gullar - prémio Camões 2010

José Alves/Junho - 2010



Homem Comum

Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.

Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei
bandejas bandeiras bananeiras
tudo
misturado
essa lenha perfumada
que se acende
e me faz caminhar
Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
Quero, por isso, falar com você,
de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe o meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
Homem comum, igual
a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio
mancha a paisagem
turva as águas do mar
e a infância nos volta
à boca, amarga,
suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens
comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas.

(Brasília, 1963)

9 comentários:

  1. Ana,


    Brilhante! Grato!


    Forte abraço,
    Adriano Nunes.

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  2. Um grand poeta, que qunado nem imagina va em escrever ele já me apresenatava muito da mágica poetica.

    Muito merecido!!!

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  3. Não o conhecia, mas só por este poema, já vejo que foi mais do que merecido.
    Não sei como ainda existe quem critique a poesia, dizendo que não serve para nada. Basta olhar para esta e para outras tantas, para ver "claramente visto" que para além de beleza estrutural e semântica, há um oceano de verdades rimadas incontestáveis.

    Gostei muito.
    Beijinhos e obrigada!!

    ps: Profª de Literatura? Que delícia! Morro de saudades destas aulas :')

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  4. Querida Aninha
    O poema aqui evidenciado é muito belo, principalmente os dois últimos versos:
    "podemos formar uma muralha
    com nossos corpos de sonho
    margaridas".
    Esqueci de dizer quanto bonito é o teu "banner".
    Bom fim de semana, amiga.
    Beijinhos.
    Isabel

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  5. Começo por dizer.....Linda foto...
    Quanto ao poema...gostei no geral,
    no conteúdo, achei muito profundo....
    se me compreende amiga Ana.
    A verdade é que foi premiado...
    Abraço

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  6. Bonitas flores

    Bonito poema

    vou voltar


    Um beijo

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  7. Olá, amiga!

    Só agora começo a conhecer o poeta,

    através de blogs.

    Obrigado por esta amostra.

    Bom fim de semana

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  8. Conheço sim. Não muito, mas conheço.
    Em Literatura, lemos um livro dele " Aparição" . Muito bom! Eu adorei :)

    beijos!

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