quarta-feira, 17 de julho de 2013

O DISCRETO


Peeter Neeffs I - 1578-1660

Que passei anos a estudar o Barroco já não é por aqui novidade. Que levei horas a fio a ler processos inquisitoriais, menor novidade é ainda...foi tempo perdido? Não. Orgulho-me disso? Não, e o motivo é simples: a minha ideia de Deus escapou-se-me das catedrais para  universo. Eu decidi fazê-lo por me sentir inquieta com tudo o que se oculta sob a camada superficial dos seres e das épocas. Sobre o referido período as camadas de ocultação tombaram em abundância. A fragilidade da sociedade portuguesa da época, que se deslumbrava com os modelos dos dominadores e expulsava os seus melhores filhos, tornou-se um paradigma daquilo que somos hoje - dependentes, pretendentes e obscuros.
Desses tempos guardo muitos pintores e autores a que retorno amiúde. Por estes dias, de muito trabalho e provações diversas em terrenos de armadilha e poeira, vou relendo Baltasar Gracián y Morales que sendo jesuíta - com tudo o que isso significou então - teve a lucidez necessária para perspectivar o seu tempo.  A obra tem o sugestivo título: O Discreto. Num momento em que se fecham por aí governantes e pretendentes e na catedral se aplaudem políticos com estridentes palmas, enquanto seguranças de serviço vigiam as ruas, aqui vos deixo - com o sabor de antanho -  um excerto daquilo que leio:

«Daqui nasce que esses tais, mui pagos de sua paradoxia, solicitam a ocasião e andam à caça de empenhos; vão à conversação como a contenda, levantam porfias, e, feitos harpias insofríveis do bom gosto, a tudo arranham com suas acções e a tudo dessazonam com suas palavras. [...] Se passam logo de bacharéis de presunção a licenciados de malícia monstros da impertinência.»(pág. 87).





Ana

8 comentários:

  1. Eis um jesuíta lúcido num tempo escuro e que, infelizmente, se repete hoje.

    Aninhas, tens um desafio lá em casa e acho que nem te é complicado, rrss

    Beijinhos, minha linda

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  2. Crónicas profundas....
    Muito bonito o cabeçalho...

    O palhaço do meu post....é a Amália..
    Beijo

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  3. Olá Ana! Obrigada pela visita ao meu blogue. bom demais te ver por lá!

    Gostei do post. Sempre bom aprender um pouco mais!

    Mil beijos pra ti!

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  4. Querida Aninha
    O que é triste verificar é que afinal não se aprendeu nada.
    Mas o texto é muito oportuno.
    De férias não é assim? Que bom!
    Aproveita bem.
    A Sandra está quase a chegar, também
    Beijinhos
    Isabel

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  5. Ana,

    Em poucas palavras
    uma excelente análise
    da sociedade actual:
    jugos, vícios e defeitos
    que se contagiam ao longo de séculos!
    Fantástica leitura,
    cuja divulgação muito lhe agradeço.
    Bom Domingo
    Grande abraço

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