domingo, 26 de janeiro de 2025

Hermínia ou tempestade...

 

Enigma de um dia. Giorgio de Chirico.1914


    Chove copiosamente, como convém ao mês de Janeiro. Alagam-se os campos, molham-se os seres, escorre a lama, ali, onde o Homem contrariou a Natureza e estancou os desígnios do planeta.
    Apesar de ter nascido neste mês, numa madrugada de muita chuva, como a minha mãe gostava de recordar, gosto da chuva, mas tenho um medo absurdo do trovão. Sempre que o clima se extrema, sinto essa astrofobia, essa brontofobia irracional.
    Assim vão os tempos e os augúrios estão em consonância. Percebemos como o país se alaga e não resiste ao mínimo safanão, numa lama de indignidades diversas e de figuras titereiras.

Heitor e Andromaca. Giorgio de Chirico. 1912

    Não posso deixar de pensar nesse pintor admirável, nascido grego e feito italiano, quando olho o mundo que nos vai rodeando - ao perto e ao longe - a Humanidade vai perdendo os seus valores, a dignidade da Vida, a empatia, a compaixão e o cuidado...

As máscaras. Giogio de Chirico.1959


    Homens sem cabeça, num mundo surrealista onde um medievalismo bárbaro vai desumanizando os seres, enquanto a tecnologia avança pelas mãos de génios loucos que reverenciam o poder dos tiranos em proveito próprio e vão distorcendo o Mundo. 

    


terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Ocasos

 

Dezembro, 2024 - Alentejo

    

    Foram intensos os ocasos de 2024. Ano tremendo, na acepção sacra da palavra - mysterium tremendum, sem contacto com o numinoso, diria eu num paradoxo tão do domínio das coisas que escapam ao entendimento. Muitas foram as contradições, muitos foram os fascínios -fascinans, qualidade estranha desse mistério que é a Vida. 
    Conheci a finitude do trabalho, que amei profundamente, e troquei-o pelo espanto e lazer de quem, finalmente, dispõe do tempo para contemplar as profundezas remotas do lugares esquecidos.


Loulé, 2024


    Fragrâncias exaladas do passado de onde só a recordação vai mantendo os meus ancestrais. Os mais velhos retiraram-se quase todos para a eternidade e o tempo vai fluindo para um rio, também ele, eterno...mas pleno do vigor que se alimenta de ideais, enquanto não desagua nesse Nada de que todos faremos parte.

Ana Tapadas - 12 anos



O jardim e a casa

Não se perdeu nenhuma coisa em mim. 
Continuam as noites e os poentes 
Que escorreram na casa e no jardim, 
Continuam as vozes diferentes 
Que intactas no meu ser estão suspensas. 
Trago o terror e trago a claridade, 
E através de todas as presenças 
Caminho para a única unidade.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Poesia I

sábado, 4 de janeiro de 2025