Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Poema do Silêncio, José Régio

 

Ferragudo, Praia Grande - 2025


Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

José Régio, in As Encruzilhadas de Deus


    Depois de dias absorvidos pelo cuidado e pela família, estou de regresso. Aos poucos, irei visitando os @migos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Dias de Outubro

 

Pandorea jasminoide - Cá de casa - Outubro, 2025


    São plenos de recomeço e de uma doçura, que de longe nos espreita, estes dias de Outubro. Suaves, mas não serenos, na sua contradição nostálgica. Caminhamos sobre o calor esbraseado do Verão que findou e as guerras que, de perto nos espreitam, ecoam e cravam-nos lâminas de impotência sem limites.
    As memórias semeiam a nostalgia dos que partiram e, o Amor que nos legaram, põem-nos uma fortaleza de Esperança no peito cansado. Somos os herdeiros desta brisa que os ares adoça. Cedermos à fraqueza foi-nos vedado. Somos humanos, carregamos a Vida.
    Os nossos jasmins, suaves e odorosos, resistem ainda. Desistir, nunca será uma possibilidade! Talvez o ocaso nos espreite, mas a que distância? A viagem ainda decorre: sigamos estes voos que se atiram nos ares e, no vórtice dos abismos, deixemos flutuar o porvir.