sábado, 2 de junho de 2012

Fluir do tempo


Serra de Marvão, Rua.Direita.com


Afloram rochas de um tempo remoto e cerejeiras inesperadas espreitam das quintas anichadas em curvas repentinas. É um território inóspito por onde se espraia a solidão. No alto, a vila é uma ravina muralhada contra invasores de antanho.
O calor intenso não aquece, queima. Talvez a trovoada rasgue, de surpresa, o horizonte. Então, o meu medo será manifesto. Até lá, contida, falarei calmamente das aves e dos sonhos, do cheiro forte do arvoredo e daquelas casinhas com escadas embutidas no rochedo vivo.
Uma fina angústia esconde-se nos confins deste país perdido, parado na mudança sucessiva. Para onde rumaram os que por aqui caçavam, os que vieram dos areais do sul e lutaram por este chão? Para onde rumaram os pastores e os corpos enérgicos dos juncavam de searas este chão?
Quem te disse que a minha terra alentejana era um horizonte raso com uma árvore sozinha a feri-lo? 
Aqui, a violência da solidão cristalizou-se na pedra e a vida agónica não se instala no Além. Esta mestiçagem de sangues tornou-nos descrentes e lúcidos como o destino mortal dos homens. A ruína do tempo instala-se, inglória, como um entardecer sem Primavera.

Ana






11 comentários:

  1. Não se te comente com a minha alma Lusa, ou com meu coração Celta ou com o pulsar do meu sangue Mouro...

    A minha hesitação tropeçou neste teu quadro, a cores amargas pintado, e na referida mestiçagem (que ainda me dá alguma esperança e coragem)

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  2. O Alentejo é mais que um horizonte raso, é um local onde se encontra muita beleza!

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  3. O Alentejo á Belo...Não desgosto de ser Beirão, mas gostava de ser
    Alentejano....olá....
    Beijo

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  4. Para onde rumaram os que por aqui caçavam, os que vieram dos areais do sul e lutaram por este chão? Para onde rumaram os pastores e os corpos enérgicos dos juncavam de searas este chão?

    Minha amiga, como lamento não haver resposta para estas pertinentes perguntas.


    beijinhos

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  5. É assim, o poder avassalador do tempo.
    Abrs
    J

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  6. Um sótão cheio de lembranças
    Escrevi no pó palavras sem nexo
    Retirei uma cartola de uma caixa de cartão
    E senti ao toque o poder da ilusão

    Ilusões…
    Um cavalo de pau perdido ao carrocel
    Uma estola de um bicho qualquer
    Uma escultura talhada a cisel

    Uma foto a preto e branco
    De uma mulher sem rosto
    Uma janela virada para nenhum lado
    Uma traquitana a imitar o sol-posto

    Terno abraço

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  7. Um belíssimo retrato do (infeliz) Alentejo de hoje!

    Bjsss

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  8. Q texto! E a "violência da solidão" é uma expressão espetacular. Vc é muito talentosa com as palavras, elas te habitam. Bjos

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  9. Minha querida

    Infelizmente uma realidade nua e crua do nosso Alentejo...sem mar e sem Verão nos rostos tisnados onde os sorrisos gelaram.

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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  10. Como comentar-te?

    Simplesmente, te leio comovida e em silêncio.

    Bom domingo, amiga minha

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  11. Olá.
    Adorei seu blog,parabéns.
    Até mais

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