sábado, 28 de maio de 2022

Guerra


Max Ernst



Tanto é o sangue

que os rios desistem de seu ritmo,

e o oceano delira

e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue

que até a lua se levanta horrível,

e erra nos lugares serenos,

sonâmbula de auréolas rubras,

com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte

que nem os rostos se conhecem, lado a lado,

e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…

Os olhos que já não pestanejam com a poeira…

As bocas de recados perdidos…

O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…

Tanta é a morte

que só as almas formariam colunas,

as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.


E as máquinas de entranhas abertas,

e os cadáveres ainda armados,

e a terra com suas flores ardendo,

e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,

e este mar desvairado de incêndios e náufragos,

e a lua alucinada de seu testemunho,

e nós e vós, imunes,

chorando, apenas, sobre fotografias,

— Tudo é um natural armar e desarmar de andaimes

entre tempos vagarosos,

sonhando arquiteturas.


                                         Cecília Meireles, in Mar Absoluto


11 comentários:

  1. Guerra, é a guerra
    e nada mais se exige
    à poeta
    que assim construa poema
    falando
    d´O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes

    Mas, sabes?
    O que seria mesmo útil
    seria um poema de paz

    ResponderEliminar
  2. Ao menos um abraço...

    Aleluia, creio que estou a conseguir!

    O Google-blogger anda louco!

    ResponderEliminar
  3. A guerra é sempre um tema difícil em poesia. Guerra é sinónimo de morte destruição dor.
    Gosto muito de Cecília Meireles, mas também prefiro os poemas de paz. A guerra a vida a mostra todos os dias.
    Abraço, saúde e boa semana

    ResponderEliminar
  4. Guerras sempre nos fazem mal...
    beijos praianos, tudo de bom,chica

    ResponderEliminar
  5. Tanta a guerra, tanto o sangue, tantos os mortos, tanta a injustiça, tanto o sofrimento.
    Cecília Meireles parece que fez o poema para o tempo que vivemos.
    Tudo a correr bem consigo, Ana.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  6. Tantas guerras no planeta , tanta maldade, tantas lágrimas e tanto cinismo!

    Minha amiga, te desejo serena semana e te deixo forte abraço

    ResponderEliminar

  7. Fui lendo o poema ansiosamente, esperando
    chegar ao fim para ver a sua autoria,
    pela forte mensagem que nos transmite, dos
    horrores que as guerras trazem que até a
    própria natureza fugiria espavorida se
    pudesse.
    Cecília Meireles no seu melhor, usando as
    palavras com propriedade e talento.

    Desejo-te boa semana, querida Ana.
    Beijinhos
    Olinda

    ResponderEliminar
  8. Maldita guerra.
    Excelente escolha poética.
    Não conhecia, obrigado pela partilha.
    Continuação de boa semana, amiga Ana.
    Beijo.

    ResponderEliminar
  9. Como um grito...
    Será que este poema de Cecilia vai ser sempre atual e pertinente?!
    Há os mortos físicos da frente e há os que ficam mortos por dentro,
    como é o caso dos pais de tantos mancebos, das aldeias e das universidades.
    Continuo com guerra no meu 'blog'. Creio que conhece a obra que citei...
    Beijinhos, querida amiga.
    ~~~~~

    ResponderEliminar
  10. Fuerte y profundo poema. Te mando un beso.

    ResponderEliminar