Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

domingo, 21 de setembro de 2025

Dia internacional da Paz

 

Pablo Picasso




COM MAIS DE SESSENTA CONFLITOS ARMADOS NO PLANETA, hoje comemora-se o dia da PAZ.



Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!

Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"









segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Fui criança indo por um carreiro

 

Madalena - agosto 2025


Fui criança, indo por um carreiro,
a caminho do mar, mão na outra mão,
entre árvores, pedras, insectos e aves.
Toda a Natureza me coube nas pupilas,
mestra de sentimentos, e eu discípula.
E, se fechava os olhos, ela punia-me
com o silêncio cruel das ondas,
a mudez imerecida dos insectos,
e a distância das aves, que doía.
e os abria, tudo me rodeava,
apaziguado e meu,
mas a mão que me trazia a mão
puxava-me para a luz de cada dia.

Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas Vivas, Relógio d’Água

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Tecnopopulismo ou tecnofascismo

 

Newyorker.com

    E lá se vai o mês de Agosto, respirou sobre a planície um bafo de dragão que a tudo assolou. Agora, o Verão quebrou, devastado pelas súbitas mudanças.
    Tanta leitura, tanta noite abafada, tanto caminhar sobre a velha passadeira eléctrica...resta uma tendinite no braço, uma dorzinha que rumina o dia todo e aquelas inefáveis visitas ao fisioterapeuta.
    Traga-vos uma sugestão de leitura, pouco usual em mim, mas que, na lassidão de uma revista semanal, encontrei e me inquietou.
    O autor, amigo de Elon Musk, é assim descrito no "site" da Wook:

    "Peter Thiel, o lendário fundador da PayPal, quando criou a empresa, em 1998, sabia que não havia concorrência à altura e quatro anos depois vendeu-a por 1,5 mil milhões de dólares. O princípio que o guiou então determinou todos os investimentos que viria a fazer. Foi o primeiro a entrar no capital do Facebook (tem hoje cerca de 10 por cento da empresa) e fundou ou financiou a LinkedIn, a Airbnb e a Palantir, só para citar as mais conhecidas. Em todos os casos, partiu do "0" (zero concorrência) para o "1" (número um no mercado). Apostando em tecnologias que permitiam acrescentar valor, onde antes não havia nada. O modo como repetiu os sucessos e a raiz da sua filosofia foram explicados num pequeno curso na Universidade de Stanford. Um dos seus alunos, Blake Masters, começou a tirar apontamentos e a publicá-los na Internet. O sucesso foi tal rápido (2,6 milhões de visualizações), que teve de pedir a Peter autorização para prosseguir. Nasceu assim De Zero a Um, uma versão refinada e trabalhada das aulas - o curso completo."
    




    Neste momento é apoiante e financiador de campanha do governo americano, suporte muito forte de J. D.Vance. Dir-me-ão: "E, daí?". Responderei: " Nada. O povo americano elegeu democraticamente o seu governo, seguindo as regras da sua Lei maior". Porém, lendo o livro e, segundo esta ideologia da "concorrência zero", o temor instala-se. Agora, que li uma entrevista dada por este homem quase tímido e de boa aparência, aqui vos deixo algumas ideias:
    "A sua empresa vai juntar numa só todas as bases de dados do governo americano - e ter acesso a elas" (Sábado, p.65, 13 de agosto). Defende um Estado  "pequeno como uma startup, num mundo em que são as tecnológicas a decidir livremente - mesmo que em monopólio". Acredita que só pela violência se instaura a ordem e defende a "teoria do caos" e a oligarquia dos "tecno bros", como forma de garantir que só as melhores mentes tecnocráticas poderão dirigir o mundo, culpando o Iluminismo de todos os males e propondo o "Iluminismo sombrio" (segundo Curtis Yarvin). Assim, teremos uma Nova Ordem e um novo Homem.
    E se isto não é assustador, meus amigos, poderão ler também The End of The Future, 2011.
    Perigosos são estes génios de Silicon Walley, postos ao serviço do  único deus a que servem:o dinheiro.
    O pior, a ideologia difunde-se rapidamente:


Talvez o Rara Avis seja banido, pois já foi muito atacado por estes ideólogos, como aqui documentei, mas que importa?! 

  

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Talvez as rosas

 

Cá de casa - Ana


    Talvez as rosas nos ensinem a lição mais simples. Quarenta e dois graus, de mais um dia que ferve, rondam a casa branca que, quase meninos, sonhámos construir. Formigas, paradoxalmente sonhadoras, ousámos o ciclópico labor. Moldámos, no esforço, aquilo que ainda somos.
    Lá fora, tu consegues trabalhar... eu refugio-me na "fresca" da casa, como por aqui se diz. Vou lendo, lendo, lendo. 
    Maria Zambrano, a filósofa espanhola, pareceu antever este tempo, desde os finais da Segunda Guerra Mundial



    
    "A objectividade, enquanto durar o império da máscara, eclipsa-se, como se o homem não estivesse nesse nível vital em que a luz havia sido de toda a cultura ocidental." (p. 123). 
    Desde a primeira página nos é dito que a Europa está em decadência. Hoje, parece uma redundância vir aqui dizê-lo! 
    Laboras, com infinda paciência na regeneração dos instrumentos, sob um calor abrasador, mas aquilo que fazes e me vens mostrar como menino que espera um elogio, recorda-me bem de quem és! Ainda bem.


Cá de casa - Ana

    Talvez as rosas que sobrevivem no jardim, debaixo do estio, nos recordem aquilo que somos, apesar dos desatinos do mundo. Talvez ainda haja esperança.



sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Levantam, num voo rasante


                 Life on stump - Jacek Yerka




Levantam, num voo rasante,

pesados pássaros do Verão,

que o calor passado os impele

ao horizonte cinza do Levante...

Rodopiam, no chumbo matinal,

em círculos vagos, em diapasão,

aves majestosas astutas, sibilinas,

auguram um apocalipse constante!


Ana