Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Se assim não fora...

Marmelos - wikimédia
Naquele dia havia sol. Quase Verão. Percorremos a charneca tisnada, mas onde uma relva miudinha já aflorava. Velhos marmeleiros, que os avós abandonaram ao morrer, insistem ainda em frutificar e escrever em círculos temporais uma memória antiga, plena de meninice. 
José sabe como esta fruta ácida da minha infância doce suaviza a minha vida. Nela retorno, nela me renovo.  Solícito vai colhendo...como um menino, sorrindo, entrega-mos. Hei-de assá-los, suavemente polvilhados com açúcar amarelo, e torná-los uma suprema delícia original. Velho sabor, velho carinho de autenticidade.

romã - Wikipédia
Levemos também algumas romãs. Estes frutos esperarão. Fitá-los tira-me da rotina.
O fim de Outubro desaba, agora, copioso. Águas sujas não limpam as palavras que nos atordoam. O país está barulhento.
Ah! Se acreditássemos que os caminhos são possíveis, num regresso ancestral a uma qualquer grandeza primitiva.
Fala-me dos ideais, fala-me dos ideais... Que bom precisarmos de tão pouco para nos reencontrarmos!
Se assim não fora...
broas de mel e noz
Hoje começaremos, oficialmente, este Outono e eu farei broas de mel. Que faça frio, que chova, mas não me compres jornais deste país que entristece e resmunga. 
Eu só quero voltar no rumo da saudade, na rota do vento sul tempestuoso e aconchegante. Outubro vai terminar. O ninho aquece, mas um sopro gélido varre o horizonte...
Pesa o trabalho excessivo. Pesa a memória. Pesa o presente...e eu só quero a recordação.
Outubro termina e eu vou levar-vos crisântemos amarelos ao sítio onde a saudade mora.
Os marmeleiros ainda resistem, rudes e bravios como nós.



                                                                                                        Ana


crisântemos

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tu não viste

Pobres na Praia, Picasso, 1903

Tu não viste... aquela tumba suja,
Aquele chão donde a fome exalava;
Tu não viste a Natureza mãe e escrava,
A miséria à espera que a morte surja!

Aquele catre imundo, para morrer...
Ah! Aquela colher suja que tremia,
Mas não iria cumprir o seu vital dever.
A desgraça era tão fraca que nem comia!

Não viste as lágrimas sujas na face louca?
Agradeciam o que nunca lhes fora dado...
Ai, ter-te-ias, como eu,  envergonhado!

Terias, como eu, a voz funda e rouca...
Como se falasses de um segredo amaldiçoado.
Terias, talvez, escondido a tua face e chorado!


                                                                        Ana









Açores


   SOMOS, TALVEZ, «POBRES NA PRAIA» ...                                                                                

domingo, 24 de outubro de 2010

Andrés Bello



Leonardo da Vinci
LAS OVEJAS

"Líbranos de la fiera tiranía
de los humanos, Jove omnipotente
¡una oveja decía,
entregando el vellón a la tijera?
que en nuestra pobre gente
hace el pastor más daño
en la semana, que en el mes o el año
la garra de los tigres nos hiciera.

Vengan, padre común de los vivientes,
los veranos ardientes;
venga el invierno frío,
y danos por albergue el bosque umbrío,
dejándonos vivir independientes,
donde jamás oigamos la zampoña
aborrecida, que nos da la roña,
ni veamos armado
del maldito cayado
al hombre destructor que nos maltrata,
y nos trasquila, y ciento a ciento mata.

Suelta la liebre pace
de lo que gusta, y va donde le place,
sin zagal, sin redil y sin cencerro;
y las tristes ovejas ¡duro caso!
si hemos de dar un paso,
tenemos que pedir licencia al perro.

Viste y abriga al hombre nuestra lana;
el carnero es su vianda cuotidiana;
y cuando airado envías a la tierra,
por sus delitos, hambre, peste o guerra,
¿quién ha visto que corra sangre humana?
en tus altares? No: la oveja sola
para aplacar tu cólera se inmola.

Él lo peca, y nosotras lo pagamos.
¿Y es razón que sujetas al gobierno
de esta malvada raza, Dios eterno,
para siempre vivamos?
¿Qué te costaba darnos, si ordenabas
que fuésemos esclavas,
menos crüeles amos?
Que matanza a matanza y robo a robo,
harto más fiera es el pastor que el lobo".

Mientras que así se queja
la sin ventura oveja
la monda piel fregándose en la grama,
y el vulgo de inocentes baladores
¡vivan los lobos! clama
y ¡mueran los pastores!
y en súbito rebato
cunde el pronunciamiento de hato en hato
el senado ovejuno
"¡ah!" dice, "todo es uno".



 Andrés Bello (1781 - 1865)

sábado, 23 de outubro de 2010

Informação e realidade


A RELER: Edmond CARLES-ROUX, Esquecer Palermo

«Máfia italiana lava dinheiro em Portugal


Giovanni Lore, um dos mais perigosos chefes da máfia siciliana, procurado por toda a Europa, foi capturado em Carvalhal, no Bombarral. Estava numa vivenda usada como sede de um grupo criminoso que, através de um esquema de burlas, branqueava dinheiro, nomeadamente de origem mafiosa, e foi detido na quinta-feira, pela PJ de Leiria, com mais três italianos, dois portugueses e uma mulher brasileira.» (lusa)


NUNCA PODEMOS SER REDUTORES DA REALIDADE QUE NOS CERCA.




A REDESCOBRIR: Andrés Bello - poeta e humanista venezuelano



« Chávez chega hoje a Portugal para selar acordos

O presidente da Venezuela chega hoje a Portugal para uma visita de dois dias, que culminará com a assinatura de acordos nas áreas da construção naval e do fornecimento de 1,5 milhões de computadores Magalhães.
Hugo Chávez chega hoje ao fim da tarde ao Porto, onde pernoitará, deslocando-se no domingo de manhã aos Estaleiros de Viana do Castelo.» (ENVC)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A fuga

Escola 
Oito horas. Céu límpido de Outono. Luz dura nos meus olhos cansados. Pureza linear de um minimalismo criador. 
Entre mim e a Escola duzentos metros de parque. Sobreiros ancestrais mantiveram o porte altivo. São desta terra, donos deste lugar, discretos e harmoniosos. Tê-los por companhia matinal suaviza um dia duro e longo.

Outono
E chego...
Vida, rodopio, campainha, tecla, vídeo, folha, livro, olhos e olhos e olhos...ávidos de saber e de ser...
Intervalo. Café, café, fala, cala, fala...
Cores tão estranhas para olhares alentejanos: a escola.

remodelada
Quem fez isto? Quem maquilhou assim o mármore inicial e branco, quem arrancou a cortiça dos tectos? Quem juntou estas surpresas visuais sobre o branco antigo? Quem fustiga assim os olhos habituados à pureza linear dos horizontes alentejanos?

Castelo de Vide

Tira-me daqui. Vamos em mais uma fuga atrás do horizonte. Foi longo o dia. Foi longa a verborreia. Leva-me a um lugar sem vozes.


Marvão

Leva-me contigo a um lugar sem ruído. Cacografias estilhaçam-me e eu quero, no rumor da Língua, o subtexto dos afectos.
Chegámos. Faz frio. Aqui, o Grande Arquitecto traçou ângulos perfeitos no silêncio.

Marvão

Amanhã regressaremos pela manhã ao lugar onde a Língua se estilhaça e os outros, nossos pares, discutirão em cada intervalo, envoltos nas cores antagónicas deste sítio do Sul, o artificialismo já velho, já gasto de um qualquer romper, de um vizinho quebrar, daquele antigo e já habitual, fútil, tabu.
  
                                                                                                               Ana


google
*NOTA: no meu país chama-se «tabu» a um assunto sobre o qual não se admite falar.



FOTOGRAFIAS DE JOSÉ ALVES

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Centauro



Marvão - José Alves





Eu hei-de, então
Amar silêncios...





Violar sonhos
 Desfazer áridas lacunas.

Marvão


No dealbar
No limiar
....







A vertigem e o vago








Sou...
Contigo,
Sou!


 Ana










sábado, 16 de outubro de 2010

O meu país

Vladimir Kush





O meu país 
                 entristece
                               empalidece
                                               esmorece
                                                             arrefece.
O meu país
                 afunda
                           inunda
                                      imunda
                                                 rotunda
                                                              profunda


Ignorância de novo, no povo, novo.
                              
Ana


               

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Bendito Sejas!

Assis - José Alves
Chovia...
E, numa trégua de momento
Eu bendizia ...
A irmã chuva,
O irmão vento,
A paz fecunda daquele dia!
Pensei em Maria
E nem mesmo serei Teresa
Porém sorria...
No meu amor
Por toda a Natureza!

 Ana



BRAVO CHILE!

sábado, 9 de outubro de 2010

Era Total

Siena - José Alves

Florença - José Alves


A cidade secreta
Crescerá na envolvência
                                    Perene
 De uma era total
 O indizível
 Cantará prenhe de tudo
 O nada
            Será irreprimível
 E não existirá
 Um eco de palavras
 No caminho
                   Unificado
 Só um rasto de luz
 Anunciando a treva
                              Só o tudo e o nada
 Sem um hino transitório
 Na incompleta viagem
                                  Agora




Ana

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Nobel Peruano

Mario Vargas Llosa - Nobel da Literatura 2010


«... a literatura é o melhor que foi inventado para defesa contra o infortúnio...» (pág.19)

Nobel da Literatura

terça-feira, 5 de outubro de 2010

VALETE FRATES!

     
     
    QUINTO / NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer.

Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!


Fernando PESSOA





sábado, 2 de outubro de 2010

Gliese 581.g

Vladimir Kush

Espera-se aqui um poema ou quase, porque já foi dito que só brinco com as palavras. Espera-se aqui uma brincadeira com palavras, mas isto não anda para brincadeiras...
Não, não me sei zangar. Aves de luz incendeiam o poente e seremos sobreviventes boreais. Caminharemos até ao limiar daquele horizonte distante onde os homens sabem que as coisas simples lhes trarão, sempre, sossegos inesperados. Somos mendigos de sonhos e esses não se deixarão abater pelos rigores da História.
Quando, compulsivamente, lia Arnold J. Toynbee mal saía da adolescência e acreditei que todas as civilizações: nascem, crescem e se preparam para a queda abissal. 
Não me tragas agora modelos e paradigmas.
A História atrai, mas não emociona. O meu destino é o infinito, onde uma poeira cósmica não é um padrão comum. O meu destino é o nada inicial para onde caminhamos inexoravelmente. Se lá no início estiver Deus, será bem diferente desta cacografia mundana.
O discurso moribundo dos economistas assola o meu país. O sebastianismo já grassa por sobre a desgraça...
E que tal partirmos, em naves de sonho, em nuvens de aves, para Gliese. 581g onde, talvez, haja seres impolutos, justos e fraternos?

Ana

Apolo11.com - Gliese.581g