Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 28 de janeiro de 2012

Onde Começa o Tempo?

Remedios Varo, Paraíso de los gatos

Na lágrima que o teu olhar inunda,
No traço que ela te cava no rosto
E na solidão que te circunda...
Nos dias lindos, pelo sol - posto.

Quando um único ideal unir o mundo,
Quando duas almas se aproximam
E se confundem num amor profundo.

Começa em dois olhares que se cruzam,
Começa na luta e na aguarela da vida...
E na voz daqueles que ainda cantam
Uma velha poesia, louca e esquecida!

Começa num puro sonho de grandeza
E na derrota que te trouxe a sorte...
Numa lágrima doce e na tua tristeza.

O tempo começa na dor e na morte
E em quem tiver a voz que te conforte.
Começa num poema e numa oração
O tempo começa no teu coração...

Na antiga floresta e na escuridão,
Na mais bela canção e na promessa
De um dia pleno de paz e de mansidão.

Croqui  de Vida onde o tempo começa.
O lago isolado e a flor de um jardim...
Ah! Onde vai a desolação e a pressa
Se o tempo, afinal, começa assim!

Ana



quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Oito horas

Carlo Carrà (1881-1966) : l'austérité du paysage



Oito horas, zero graus.
Luz aguda na paisagem.
Rostos pálidos destas casas...
E o ar ecoa na friagem
De sonhos antigos, sem asas!
Zero horas, oito graus.

Ana



domingo, 22 de janeiro de 2012

A moralidade pública

Andrew Wyeth


Estranho momento vivemos. Talvez por isso tem-me ocorrido folhear os clássicos que estudei na juventude. Hoje, ao serão, foi a vez de recordar   Lucius Annaeus Seneca. Viveu numa conjuntura social difícil, escreveu sobre a velhice fazendo notar o valor desse tempo de vida e  via o sereno estoicismo como a maior virtude, o que lhe permitiu praticar a imperturbabilidade da alma, denominada ataraxia. Lições pertinentes para os portugueses de hoje.
O excerto que aqui deixo bem poderia ser lido por quem nos dirige:


«As crianças ficam todas contentes quando encontram na praia alguns calhaus coloridos; nós preferimos enormes colunas variegadas, importadas das areias do Egipto ou dos desertos do Norte de África para a construção de algum pórtico ou de um salão de banquetes com capacidade para uma multidão.
Olhamos com admiração paredes recobertas de placas de mármore, embora cientes do material que lá está por baixo. Iludimos os nossos próprios olhos: quando recobrimos os tectos a ouro o que fazemos senão deleitar-nos com uma mentira? Sabemos bem que por baixo desse ouro se oculta reles madeira!» ( Cartas a Lucílio)


Ana


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Numerários e Supranumerários

Catacumbas de S. Calixto - Roma




Fui uma adolescente inquieta, dessas que pensava mudar o mundo e restituí-lo a uma pureza paradisíaca. Leitora compulsiva de tudo, aos catorze anos poderia ler fotonovelas ou O Banquete de Kiekeggard - alegoria e ironia uniram-se para construir o meu mundo. Não excluo contrários, pois eles são dicotomia necessária.
Dito está.
Acredito que as sociedades só mudam se o Homem mudar e for humano, fraterno e justo  - medida ainda de todas as coisas, sem sofismas de extremos.
Assim, na velha estante de um padrinho padre encontrei, muito cedo, um livro que, a esse tempo, me encantou. Parecia responder a cada uma das minhas exigências íntimas. O sugestivo título, Caminho, apontava uma direcção regrada que organizava o pensamento e actuação de uma jovem. Com reservas, o livro me tinha sido emprestado. Fui lendo, um a um, os escritos de J. E. de Balaguer. Orgulho-me de o ter feito, pois quando falo da Obra, sei do que falo. Falo de gente miúdinha com estreiteza de espírito e ambições perturbadoras. Falo de um universo regulado e regular. Soube, assim, dizer "Não!". A fraternidade e a Justiça não moram na Opus Dei. Ali, a construção é de ego.
«Quem nada conhece nada ama», poetou Paracelso, mas só conhecendo os fundamentos podemos recusar.
A distorção informativa a que somos submetidos em Portugal, diariamente, é perigosa e exige que denunciemos, hoje, o armadilhado caminho da ignorância.
Não regressemos à Coimbra de 1946...

Escrivá de Balaguer
Ana


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Frio Janeiro





Frio e luminoso mês de Janeiro
Em que as trevas assolam o país,
Horizonte largo de brilho derradeiro
Onde a Justiça se confunde na raiz.

Frio ardiloso e este sol rotineiro
Que pisa a herança da sua matriz.
Sonho largo, abraço verdadeiro,
Afecto, linha pura que sempre quis.

Ergue-te e vela, a tirania espreita!
Ergue-te e sonha o largo horizonte
No moribundo país que se estreita!

Além na colina e aqui neste monte,
Tua coluna frágil, moldável, endireita
E olha em frente da tua recta fronte!

Ana




sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

«Saber é ser capaz de aprender» – Martin Heidegger


Flauta Mágica




«A Flauta Mágica procura fazer o paralelismo entre a Maçonaria e as instituições que se julgam na razão e, que por isso, condenam todos os que querem ter liberdade de pensar (lembremos que as damas da rainha advertem Tamino de que, se ele continuar na busca da Luz, irá parar ao inferno). Essas instituições, porém, vivem nas trevas e na obscuridade continuarão a viver.»


GOL, J. J. Alves Dias


Declaração de interesses:

Os mais curiosos já notaram que a minha música de perfil é a «Abertura» da Flauta Mágica, de Mozart. Essa não foi uma escolha inocente, nem casual. A causa da luta contra a ignorância, da vida livre e fraterna confunde-se com a minha vida.
Quando, hoje, nos bombardeiam com notícias que parecem vindas de remotos tempos deste país (usar a palavra Maçonaria para confundir a opinião pública), não posso deixar de declarar aqui, sem metáforas, a minha indignação.








Bom fim-de-semana, meus amigos.

Ana

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Arquitecturas fantásticas

Desiderio Monsù , séc. XVII

Por estes dias tem-me ocorrido pensar no estranho mundo de François de Nomé, conhecido como Desiderio Monsù. Precursor do surrealismo e o mais enigmático dos pintores europeus, deixou-nos um mundo onírico à beira da desconstrução. Com este artista desapareceram as fronteiras entre o sonho e a loucura e o seu universo, de arquitecturas fantásticas, parece ruir e deformar-se.
Vale a pena voltar a olhar os seus quadros, pesados de claro/escuro, onde só o inferno se ilumina...


Desiderio Monsù ( L'Enfer)


Vivemos, na Europa e em Portugal tempos assim, mas sem  meraviglia.



"Interior of a Gothic Church with Figures" by Francois de Nome, called Monsu Desiderio, oil on canvas, 20 1/2 by 28 1/4 inches
Desiderio Monsù

Ana