Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Sagrada família


Soube, então, que partirias em breve. Chovia sobre a cidade e as gentes apressadas laboravam progressistas e ordeiras. Partirias, assim, e o teu olhar azul cerrar-se-ia contra este Mediterrâneo...

Os construtores do Templo continuavam obreiros e o cheiro quente do pão entrava na Catedral incompleta. Desconstrução de um gótico antigo. Forma nova e bizarra, «maravilha» de uma arte nova. A Natureza a instalar-se na pedra bruta. E tu serás, em breve, inerte...


As rosas no quintal da avó e o cheiro quente do pão da nossa infância exalam fragrâncias remotas. É Fevereiro e partirás antes das Festas de Maio. Aqui não se cumprirão as tradições. Ninguém colocou máscara. Trabalha-se e o labor não vicia.


Olho em silêncio e deixo-me fascinar. Ainda tenho esse poder de, no silêncio, comandar as emoções. Foi sempre assim. Comovo-me, porque partirás. Gaivotas ao fundo das Ramblas são aviões que não verás partir. E a estátua de Colombo, olhando o porto, será a de Bartolomeu de Gusmão, sob o céu claro de Lisboa, a ver-te chegar.

Família. A nossa nunca saltou gerações para partir. Tu decidiste que partirias cedo...

Desconstrução.
Valham-nos os Construtores do Templo para calar a saudade eterna.


Ana


Fotografias de José Alves: Sagrada Família, Barcelona.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Mimetismo e fractal






Fotografias de José Alves: Barcelona



"Visitei quase todas as obras (de Antoni Gaudí) em Barcelona e apercebi-me de que aquilo que para mim era escultura era feito com portas, punhos de porta, rodapés... Aquilo tinha tudo o que tinha a minha casa. Simplesmente era a cantar."

(Álvaro Siza Vieira, O Público, 05.04.09)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

DIS - CURSUS

DIS - CURSUS


Alphonse Mucha, Hiver, 1900

Sou em ti para querer
A doçura inefável do poema...
Uma breve ânsia!
Uma subtil náusea
De sonhos a desventrar;
De loucos silêncios
Onde acontece, às vezes,
A Vida!

Sou no sonho para te dar
A doçura inefável do poema...
E as palavras procuram, então,
Um pleno silêncio de existência;
Uma sonora expressão da essência,
Para serem, à margem de mim,
O laço e a voz da permanência
Onde acontece, às vezes,
A Paz!

Sou no meu corpo para sentir
A doçura inefável do poema...
E aconteces em mim
Numa sensível expressão do verbo
E somos, depois, a marca
E o silêncio
E a força
E a luta tocante do vital:
O Amor!

Ana





Obrigada, Ianê!

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDOe0wdCugiqHbtWzyz95WoW1pAR2O8N8WqfnAu5A4GuL6ZMpZR0eVjsd59a892LlrWAePfNkDjBgMcNuLjBNJXblEpdd4tJJs2sxM_WxGzbrjF1HlopUCvwLxtouhuhuQbrf34awBslY/s1600/dardos_tatiane.jpg


Recebi da minha amiga Ianê Mello
de
LABIRINTOS DA ALMA


e deixo para todos os amigos.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

«...e ainda ficarei depois de ter partido», Diderot

Salamanca (Wikimedia)


Viagem
É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.



Saragoça (Wikimedia)


É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.



Barcelona (Wikimedia)

Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.



Barcelona, (Wikimedia)


E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar...

Miguel Torga, Diário XII

Até Breve, amigos!


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

«Já lá estou antes de chegar...», Diderot


Fuente de la Cibeles, Madrid


Atravesso a praça.
Transeuntes incautos, novos párias, pisam o ouro de antigos e novos impérios. Sob os pés de Cibeles, a quem Sófocles tão bem chamou a «mãe de quase tudo», repousa o Tesouro público de Espanha.
A memória de Carlos III emerge dos confins do século XVIII e sabe bem que estas águas poderão inundar os cofres subterrâneos. Este é o centro. Lugar de uma convergência dos tempos.
Olho sem inocência. Sei bem o que piso. Estranho paradoxo: a meus pés o ouro impuro do império; à superfície a turba tagarela de espanhóis em crise.
Eu, sempre estrangeira, de novo nesta terra grande e dura, capital sem mar, fria e ferina.


Ana


Puerta de Alcalá, Madrid

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Espírito Santo


Jean Fouquet, João na ilha de Patmos




Onde estás?
Arquétipo
Involutivo...
Eterno?
Escatologia dos oprimidos...
Quem és?
Cruz de tantas cruzes...
Messias?
Iman?
Mahatma?
SER?
Ele era
Na Era
Do Império
O Segundo...
Deus?
Pai?
Menino?
...
Ana




Rubio / Público, Alentejo

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Vive sem Horas

Jim Warren

Vive sem horas. Quanto mede pesa,
E quanto pensas mede.
Num fluido incerto nexo, como o rio
Cujas ondas são ele,
Assim teus dias vê, e se te vires
Passar, como a outrem, cala.


Ricardo Reis



Obrigada, Helô


Link aqui...