Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Sagrada família


Soube, então, que partirias em breve. Chovia sobre a cidade e as gentes apressadas laboravam progressistas e ordeiras. Partirias, assim, e o teu olhar azul cerrar-se-ia contra este Mediterrâneo...

Os construtores do Templo continuavam obreiros e o cheiro quente do pão entrava na Catedral incompleta. Desconstrução de um gótico antigo. Forma nova e bizarra, «maravilha» de uma arte nova. A Natureza a instalar-se na pedra bruta. E tu serás, em breve, inerte...


As rosas no quintal da avó e o cheiro quente do pão da nossa infância exalam fragrâncias remotas. É Fevereiro e partirás antes das Festas de Maio. Aqui não se cumprirão as tradições. Ninguém colocou máscara. Trabalha-se e o labor não vicia.


Olho em silêncio e deixo-me fascinar. Ainda tenho esse poder de, no silêncio, comandar as emoções. Foi sempre assim. Comovo-me, porque partirás. Gaivotas ao fundo das Ramblas são aviões que não verás partir. E a estátua de Colombo, olhando o porto, será a de Bartolomeu de Gusmão, sob o céu claro de Lisboa, a ver-te chegar.

Família. A nossa nunca saltou gerações para partir. Tu decidiste que partirias cedo...

Desconstrução.
Valham-nos os Construtores do Templo para calar a saudade eterna.


Ana


Fotografias de José Alves: Sagrada Família, Barcelona.

13 comentários:

Gerana Damulakis disse...

Que lindo, Ana; tudo lindo e emocionante de ler, ver,ou seja, o texto, as fotos.

duarte disse...

Gaudi: eterno.
e esta sagrada familia, assim está... consagrada.
o teu passei pelas emoções da partida , é ... comovente, belo e contagiante.
gostei, como sempre.
abraço do vale

Dalva Nascimento disse...

Essa construção é impressionante! Mesmo de longe, assim por fotografias...

Bjs.

Margarida disse...

Não tenho palavras, simplesmente adorei.
bejinhos

Sofia Carvalho disse...

Sem palavra, Ana. O texto as fotos são simplesmente belas;) beijinhos;)

Meg disse...

Ana,

Espaços e emoções que quero ver/viver numa viagem muito em breve.
As fotografias são um desafio... lindas!

Beijo

utopia das palavras disse...

Estraordinária prosa poética sob a eterna obra de Gaudi!

Bonito de se ver e de ler!

Beijo

Janaina Amado disse...

Ana, estes seus textimagens de lugares estão cada vez melhores. Este está emocionante.
A primeira vez em que vi essa igreja, achei que era sonho.

Luma Rosa disse...

Como são as coisas da vida! Gaudi, ez uma obra tão grandiosa e morreu atravessando a rua. Um Gênio que andou na contra-mão, que foi ridicularizado por seus contemporâneos e que permaneceu para nos dar visão da História passada.

Se me permite, vou transcrever aqui a passagem do livro "Gaudí, um romance" de Mario Lacruz, em que ele descreve o modo que a vida nos prega peças:

"1905

Gaudí dispunha-se a atravessar a rua sem olhar. O médico reteve-o por um braço no exacto momento em que passava um automóvel que, por pouco, o não atropelava.
- Amigo Gaudí! Deveria ter mais cuidado.
- Obrigado, doutor. Mas quem deveria ter mais cuidado era ele. Quem anda numa máquina é inferior a quem anda a pé. Devia parar ou desviar-se. A máquina é inferior ao ser humano.
- Talvez tenha razão - respondeu o médico a sorrir. - Mas não
queira convencer os automobilistas disso, metendo-se debaixo
das rodas dos carros deles.

1926

Gaudí percorreu com passada segura o labirinto de galerias e passadiços e subiu as escadas. Acompanhavam-no as notas emitidas pelos tubos com um som que se repetia e perdia ao longe. Ainda com o eco nos ouvidos saiu para o ar livre da tarde.
Ao longe soava o rumor do trânsito, mas nos seus ouvidos retiniam as notas metálicas dos tubos.
A rua tinha pouco movimento. Na esquina avançava um eléctrico. Gaudí dispunha-se a atravessar a rua. A campainha do eléctrico soou insistentemente.
Os travões chiaram.
O silêncio que se seguiu foi absoluto. Gaudí jazia no chão. A sua mão inerte continuava a agarrar o projecto que lhe caiu da mão e se desenrolou mostrando um esboço da Sagrada Família terminada"

Boa semana! Beijus,

Nilson Barcelli disse...

Uma excelente simbiose entre as fotos e o texto.
Gostei imenso, parabéns.
Um beijo.

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Textos e fotografias de uma grande beleza. Também concordo que esta tua forma de expressão é genial. Repito a leitura para saborear o sentido.
Minha querida parece que ando afastada mas não é vontade minha. Ou não tenho Net, ou tudo muito lento, que acabo por desistir.
Tenho um PC a precisar de reforma imediata. Vou mudar de fornecedor de Net. Enfim vou agilizar o meu sistema de comunicação. Talvez uma semana chegue.
Até lá e beijinhos.
Isabel

Andradarte disse...

Lembrei que tenho um mail desta
maravilha...vou procurar.
Beijo

Fernando Campanella disse...

Lindo demais, puxa, que inspiração. Palavras da mais alta poesia, imagens de tirar o fôlego. Benditos os blogs que nos permitem esses voos de palavras e imagens. Bjinhos.