Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Yannis & Gorkem Saoulis

Tessaloniki

Ontem arrefeceu, subitamente. O anfiteatro ficou quase vazio. Pergunto-me, intimamente, por onde andarão os meus conterrâneos. Por vezes, uma irrealidade assola esta localidade: todos imitam todos. 

Gostaria de tecer fímbrias de  adjectivos e de palavras inusitadas, mas a realidade impõe-se, atípica e sombria, nestes dias de Verão. Partiram todos de férias, viajam como se fora a última coisa que pudessem fazer...

Recordo tempos assim, «années folles» entre duas guerras, e percebo a construção destas realidades em fuga, em busca de mundos oníricos.
Os dias pesam como chumbo, as noites são longas e fantasmagóricas. Ouvem-se raposas que gritam do outro lado do rio e o lodo cresceu com os calores do Estio. 
Aqui, uma voz da Macedónia grega ecoa e dialoga perene com a tradição turca. Gorkem Saoulis leva-me na fuga. Também eu, afinal, me escapo deste lugar abandonado.  
Irmanemo-nos, meu irmão do Sul, que a harpa soa serena e o kanum taksim é o arfar dos destemidos!

Ana

quinta-feira, 25 de julho de 2013

25 de Julho



Minho, milho - José Alves

Caminhávamos por esses campos de milho e vinhas e o vento fresco de Caminha levava-nos muitas vezes até à Galiza. Era um mundo viçoso de juventude e remadas largas pelo rio e eu sorria, largamente, contra o granito que sempre me apertou numa tristeza íntima de criatura do sul, habituada às luminosas fachadas de luz.


Caminha, Igreja Matriz - José Alves
Depois, veio aquele dia distante em que celebravas o apóstolo Tiago e unimos os nossos trilhos de contrários, numa busca de plenitude que Pitágoras saberia explicar melhor. Tantas vezes nos perdemos por Compostela - e ainda isso acontece hoje, apesar da opacidade que se instalou entre mim e a fé dos homens. Nem o rei D. Manuel aí rumou tantas vezes...

Catedral de Santiago - Miguel Elói

Hoje celebramos o dia, ajustamos contas com a história que é nossa, comemos e brindamos ao teu Norte e ao meu Sul e aqui deixo o testemunho de amor que há trinta e dois anos nos traçou uma rota comum.

                                                                                  *

Uma nuvem negra, porém, instalou-se no céu claro da minha terra quente, para que não me esqueça, também, do sofrimento e dos corpos que hoje juncam os verdes campos da Galiza, prova irrefutável do livre arbítrio dos homens.


Ana



quarta-feira, 17 de julho de 2013

O DISCRETO


Peeter Neeffs I - 1578-1660

Que passei anos a estudar o Barroco já não é por aqui novidade. Que levei horas a fio a ler processos inquisitoriais, menor novidade é ainda...foi tempo perdido? Não. Orgulho-me disso? Não, e o motivo é simples: a minha ideia de Deus escapou-se-me das catedrais para  universo. Eu decidi fazê-lo por me sentir inquieta com tudo o que se oculta sob a camada superficial dos seres e das épocas. Sobre o referido período as camadas de ocultação tombaram em abundância. A fragilidade da sociedade portuguesa da época, que se deslumbrava com os modelos dos dominadores e expulsava os seus melhores filhos, tornou-se um paradigma daquilo que somos hoje - dependentes, pretendentes e obscuros.
Desses tempos guardo muitos pintores e autores a que retorno amiúde. Por estes dias, de muito trabalho e provações diversas em terrenos de armadilha e poeira, vou relendo Baltasar Gracián y Morales que sendo jesuíta - com tudo o que isso significou então - teve a lucidez necessária para perspectivar o seu tempo.  A obra tem o sugestivo título: O Discreto. Num momento em que se fecham por aí governantes e pretendentes e na catedral se aplaudem políticos com estridentes palmas, enquanto seguranças de serviço vigiam as ruas, aqui vos deixo - com o sabor de antanho -  um excerto daquilo que leio:

«Daqui nasce que esses tais, mui pagos de sua paradoxia, solicitam a ocasião e andam à caça de empenhos; vão à conversação como a contenda, levantam porfias, e, feitos harpias insofríveis do bom gosto, a tudo arranham com suas acções e a tudo dessazonam com suas palavras. [...] Se passam logo de bacharéis de presunção a licenciados de malícia monstros da impertinência.»(pág. 87).





Ana

terça-feira, 9 de julho de 2013

Inclemência...

Willem Haenraets

Conheço o levante e o suão. Convivi com nortadas. Não é o clima que me conduz...caminho, sempre pelo mesmo parque, e é este o trilho que me leva do ninho ao labor. O suão afaga as minhas costas e eu sei que é ele e que rumo a nordeste. O sol incendiado declina e queima e o meu lugar é este. Nele habito os sonhos que vou tecendo e que burilo na rudeza ingrata do desfiar destes dias. No meu pátio ardem os gerânios, criaturas que, como eu, resistem de pé à inclemência dos idos. Só o suão nos abraça neste afago inclemente, no suor dos dias, no calor indolente...

O meu mundo navega sem rumo, porque a elite do lixo não conhece sequer o rumor das marés. Navega à vista e embate nas rochas. Sorri sem nexo e ensaia esgares de sobrevivência. Na praça deserta aves refugiam-se do ar pesado e morno. Todos desertam...
Onde se esconderam os homens deste lugar?

Ana


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Saudades gregas



Grécia - José Alves, 2008

Sempre estarei na Grécia como quem regressa a casa, por isso não entendo o lastimável discurso vigente - esta pobre «doxa» que nos mergulha numa profunda escuridão cultural e civilizacional. 
«Nós não somos os gregos», repetem homens que nem ler grego sabem, por certo. Sim, não somos. Habitamos um rectângulo em ruínas e a pior de todas é a cultural. Dela decorre a verborreia discursiva que desconstrói a nossa sociedade.



Sempre estarei na Grécia como quem regressa a casa...