Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

«ESTÃO PODRES AS PALAVRAS....»

RTP1



Estão podres as palavras - de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras - como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?
Estão podres: e com elas apodrece a mundo
e se dissolve em lama a criação do homem
que só persiste em todos livremente
onde as palavras fiquem como torres
erguidas sexo de homens entre o céu e a terra. 


Jorge de SENA

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Rosa Cairo

Obrigada, Isabel.



Nos nossos sonhos, uma poalha rosada feita de sol e poeira do deserto cobrirá a cidade. Ao longe, recortando com rigidez o horizonte, a imponência triangular recordará a morte de milénios gloriosos e o edifício rosado do Museu imporá uma presença magnífica ao labirinto terroso das ruas por onde vultos humanos se cruzam com gatos esquivos.



http://atroll.files.wordpress.com/2010/09/cairo-pyramid.jpg
Google



Sobre o caos do trânsito esvoaçam pombos e reparo, distraída, que não são púrpura as rosas do Cairo, mas desse rosa-rosa que o sol intenso desenhou.
Quero na nossa casa este rosa e uma cimalha cinzenta, asa-de-pombo, para poder sonhar na bacia africana do Mediterrâneo. Sempre construímos o nosso pequeno mundo com os lugares fugazes da memória, por isso ele se fez sólido e se tornou maleável nos antagonismos.  Sorriste.

Ana


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

«O Guizo e o Gato» - Obrigada!

Todos conhecem a famosa fábula de Esopo, imortalizada por La Fontaine: 


Fofurinhas


«Há muito tempo, os ratos reuniram-se em conselho para decidir a maneira de se verem livres do gato que andava permanentemente à caça deles.
O gato era muito esperto, deslocava-se furtivamente, sem fazer barulho e, quando atacava, era mais rápido e mortífero do que um relâmpago.
Vários ratos expuseram as suas ideias, e a reunião prolongou-se pela noite fora. Nenhum dos planos parecia resultar, até que um rato muito novo pediu a palavra.
- Proponho - disse ele - que se pendure um guizo ao pescoço do gato. E, assim, cada vez que ele se mexer, o guizo toca e avisa-nos do perigo. Ouvimos o som e temos tempo de fugir.
Os outros ratos acharam que era uma óptima ideia e foi uma chiadeira de entusiasmo e aplausos. Então, um velho rato, que tinha ficado calado durante todo o tempo, levantou-se e disse com gravidade:
- A tua proposta é excelente e tenho a certeza de que vai dar resultado. Mas pergunto uma coisa.
Calou-se.
- O que é? Faça a pergunta- chiaram os outros ratos.
- Quem - disse o velho rato - vai pendurar o guizo ao pescoço do gato?
Desta vez, nenhum dos ratos teve mais nada a dizer.»

Versão de Ricardo Alberty, Fábulas de Esopo



 Recebi, hoje, do meu amigo JPD, de O GUIZO E O GATO, o prémio que, aqui, agradeço e passo:



http://comcalma.blogspot.com/
http://interludioemflor.blogspot.com/

http://hsp7.blogspot.com/

http://andradarte.blogspot.com/

http://luna-laiaia.blogspot.com/

http://rosasolidao.blogspot.com/

Meus muitos amigos ...todos estão convidados a levar o prémio.




 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Eclipse

Açores


Com nuvens no horizonte rumo à capital. O sol de Inverno aturde e consola. As nuvens só povoam as esperanças e a luz desta manhã não aquecerá a noite fria por vir. O horizonte plasma-se no futuro incerto e é por causa disso que fujo.
O café forte bebido à pressa, no pátio, fez-me reparar que alguns gerânios resistiram às frias geadas e talvez eu desperte para novas esperanças.



Por hoje, deixo para trás a pasta e as provas e vou afogar-me na luminosa e decadente capital de um naufrágio de memórias. 
Colombo já não é disputado nem viaja e reparo, aturdida, numa placa extraordinária:
  

http://jornalismodigital.net/wp-content/uploads/2008/12/trblho-digital-0091.jpg
Centro Comercial

Observo os tipo humanos, folheio livros, experimento uma miscelânea de odores de comida e perfumes e vou-me enfastiando devagar. Porém, um felino como eu também precisa comer,
- « Πορτογαλία»*, digo
A fuga tinha que ser para outras latitudes, cogito.

  

eclipse, 2007


* Portugália - assim pronunciam os gregos o nome do nosso país.



fotografias: José Alves

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Que futuro?


http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bc/Ilha_do_Pico_vista_da_Faj%C3%A3_Grande%2C_Calheta%2C_ilha_de_S%C3%A3o_Jorge%2C_A%C3%A7ores%2C_Portugal.JPG
Ilha do Pico, Açores - o ponto mais alto de Portugal




Hoje 
não arrisco
O risco…
Se risco 
o risco.




Triângulo, Canal - Açores
Ana



Que futuro? 


Terceira, Açores

Fotografias: José Alves

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Poema aos homens constipados

imagens Google


Pachos na testa, terço na mão
Uma botija, chá de limão
Zaragatoas, vinho com mel
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher
Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer
Mede-me a febre, olha-me a goela
Cala os miúdos, fecha a janela
Não quero canja, nem a salada
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada
Se tu sonhasses, como me sinto
Já vejo a morte, nunca te minto
Já vejo o inferno, chamas diabos
Anjos estranhos, cornos e rabos
Vejo os demónios, nas suas danças
Tigres sem listras, bodes de tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes, que foi aquilo!
Não é a chuva, no meu postigo
Ai Lurdes, Lurdes, fica comigo
Não é o vento, a cirandar
Nem são as vozes, que vêm do mar
Não é o pingo de uma torneira
Põe-me a santinha, à cabeceira
Compõe-me a colcha, fala ao prior
Pousa o Jesus, no cobertor
Chama o doutor, passa a chamada
Ai Lurdes, Lurdes, nem dás por nada
Faz-me tisanas, e pão-de-ló
Não te levantes, que fico só
Aqui sozinho a apodrecer
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

                                                   A. Lobo Antunes




https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpwNFz517tZSX6IBSrItZ9MiWsW5n9sCx1JttK3mLmePXJGmd2waGc8hDDjw3ebb3b-6-3wqBhxainEwytSMjcAla21NScSeiFR370U-fcPlEg6eec2DIMWLhJVRwtT44xLMJMLD0lIA/s400/ist2_1464699_lemon_tea.jpg
Os homens são assim... 
No meu caso, hoje,  bem engripada, a rotina segue normal, mas com ritmo lento.
Talvez me deite mais cedo e sonhe que vivo algures...




Florença antiga

domingo, 16 de janeiro de 2011

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Testamento

http://www.checkin.pt/webo/img/tunisia4.jpg
Tunísia

 paraísos...?

Tunísia

 perdidos...

Temporal matou 538 pessoas no Brasil
Brasil





À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,

Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...


Alda F. Pires Barreto de Lara Albuquerque
Poetisa angolana

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

És o futuro...adolescente!

Boticelli, pormenor 
Digo-te tão facilmente...
A madrugada,
A vida,
O sonho.
Digo-te...
O Amor.
E retrais-te.
Perdeste o hábito das palavras.
Esqueceste a linguagem.
Esvaziaste as palavras.
Ficou-te um gesto nervoso,
Hesitante,
Adolescente!
E, todavia, existem abismos,
Madrigais a vararem o teu peito.
Misturas docemente o sonho,
O real...
E vives!
Agora, se te olhar,
Disfarças mal uma ténue cobardia.
Se te disser:
«Dei-te uma hora de mim.».
Ficas calado,
Mudo,
Não entendes.
Tu nunca entendes,
Porque em ti desperta a Vida!


 Ana

sábado, 8 de janeiro de 2011

Meia- Noite

coruja do celeiro

Agora são zero horas, é escuro...
Não é hoje, ontem ou amanhã,
Não é dia, noite nem manhã...
Não há presente, passado ou futuro!

Meia-noite...o tempo parou.
Entre as sombras, eis a Lua!
Entre o luar a coruja gritou.
É Alentejo...em hora crua...

A geada? O monte triste? É Alentejo!
O cão ladrou, o galo cantou...
Alentejo-Mãe, aceita o meu beijo.

Vou morrer durante horas...
Assim Deus o determinou.
Alentejo, meia-noite, zero horas!

 Ana

(José Alves)
 Em criança tinha medo do piar da coruja. Hoje tenho medo do meu país.
Felizmente vivo no Alentejo onde a densidade populacional é de um habitante por 24 Km2.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Tributo a Malangatana





1936 - 5/01/ 2011



A Coruja

A coruja agoira-me
e diz-me que nunca chegarei
além onde o desejo me leva
e assim evapora-se o sonho;


O tambor foi tocado
na noite densa do feitiço
enquanto Kokwana* Muhlonga
apitava o Kulungwana* mortal;


Na noite sem estrelas
dois gatos pretos iluminaram a cabana da Kokwana Hehlise
que morreu depois dos gatos terem miado.

Eu lutando comigo só
é impossível vencer as ondas
que feiticeiramente me esboçam
as corujas, gatos e tambores.

Poema de Malangatana



Vivências

domingo, 2 de janeiro de 2011

De regresso ...


Amanhã estaremos de novo juntos, numa espécie de estranho regresso a 2005, porque esse há-de ser o valor do suor do nosso rosto. Regressaremos no salário como hostes perdidas de uma derrotada legião romana. Latinos que somos, comemos e bebemos o excesso dos dias festivos. Incautos e lautos do fim de impérios. Salarium argentum  de dias por vir. 
Amanhã a fria madrugada gelará a planície inculta sem ares de revolta. 
O cheiro húmido da terra ainda me chama e penso, com suavidade, na memória de dias antigos em que fazíamos deste tempo um apogeu de Reis, quando a Lua crescia, no quinto dia do mês, e a festa talvez trouxesse ecos de início do  Safar muçulmano e do Chevat judeu. A tolerância convergia para esse dia de Reis e sorriamos crédulos no futuro. Cheirava a musgo e filhós e a avó fazia café puro e forte. 
Gosto tanto de Janeiro que nasci. Gosto tanto deste tempo que embalei, nele, contra o peito, o meu filhinho recém-nascido. 
Talvez, ainda, um ethos antigo me ampare para manter a velha serenidade à superfície de um sorriso matinal...amanhã.


Ana



sábado, 1 de janeiro de 2011