Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 28 de junho de 2014

Bavarder

28/Junho/1914
Ilustração de Achille Beltrame


Hoje, nada celebraremos. Sarajevo é um lugar de iniciações difíceis. O sangue dos  homens brota nas flores dos jardins, depois do frio longo do Inverno.  A sua modernidade ilude os transeuntes e cada europeu caminha, especularmente, sobre as lâminas da memória. Isso não se celebra. 

Actualizamos para que a História não se repita, pois se cada um de nós é um bavard, temos esse dever, essa obrigação. Temos que ter a exactidão da palavra. Chama-lhe propriedade lexical, se quiseres.
É nesse tempo que o avô Zé parte para África. Jovem, loiro, alto com um olhar de Verão alentejano azul e límpido.

Partida de tropas para Angola

 Voltou. Toda a sua vida há-de falar desses tempos. Daquilo que viu, do exotismo dos lugares, das tradições...mas jamais nos falou da Guerra - da Grande Guerra. Um dia fui herdeira da sua caderneta militar. Aqui a tenho, para não esquecer que Sarajevo nunca foi um lugar distante, que nenhum lugar é distante quando se alimenta do sangue dos homens.

Ana


terça-feira, 24 de junho de 2014

Infernos provisórios

René Magritte


Chovem homenzinhos cinzentos sobre as nuvens de Deus. É, talvez, uma tempestade de Verão... Este cheiro de estevas molhadas e de feno distraído traz-me a estranheza dos dias incertos. 
Conheço areias do deserto e praias de muitos mares, mas nas cidades do mundo os homenzinhos cinzentos sobem, sobem e atropelam-se...que lhes importa o Egeu? Sou eu que caminho sobre as areias escaldantes e finas. 
Talvez todos os infernos sejam provisórios! Talvez o suão quente afaste os homenzinhos cinzentos que chovem em cidades claras de esperança!

Ana

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Do Adriático rumor


Veneza - José Alves

A cidade era bela

Se pensava nela,
Mas numa ruína fria,
Húmida e fremente,
Secreta, decadente,
A alma apodrecia...

Veneza - José Alves
Estreita passagem
Ao luar, à aragem
Do Adriático rumor,
Adivinha-lhe um porto
E o paradisíaco horto
Onde esboça o Amor.

Veneza - José Alves
Há muitos anos...
Um velho mendigo,
Artista pintor,
Quiçá escultor,
Cruzava esta praça.
Não servia seus amos.
Sem porto de abrigo,
Náufrago maior...
No seu sonho sem dor,
Na tela que traça.


Ana



quinta-feira, 12 de junho de 2014

Panem et circenses.



Coliseu, Roma - José Alves

Que o título do meu blogue é parte de uma sátira do poeta romano Juvenal, já se sabe. Que o meu Latim se vai esfumando dos curricula escolares é apenas um sinal dos tempos ... que Juvenal nunca fez tanto sentido como neste dia 12 de Junho já nem me surpreende.
Eu, funcionária pública me confesso. Podeis atirar-me às feras, pois as gentes - na sua miséria ignara -  aplaudirão!

Coliseu, Roma - José Alves

«A la gente humilde les gustaban estos espectáculos, exóticos o sangrientos. El 
ocio, la irresponsabilidad y también el sentimiento de que todo había sido montado 
con grandes gastos para su diversión, contribuían a aumentar su placer. Pero los 
romanos más cultivados sólo asistían a estos espectáculos por deber, porque el 
organizador era un amigo o un aliado político o porque debían aparecer, en razón 
de sus rangos, en las manifestaciones colectivas» (GRIMAL, 1993, p.56) 
  

CNN

Iam pridem, ex quo suffragia nulli 
vendimus, effudit curas; nam qui debat olim 
imperium, fasces, legiones, omnia, nunc se 
continet atque duas tantum res anxius optat, 
panem et circenses. 
Juvenal, sátira X, vv. 77-81: 

“Já há muito tempo não vendemos os votos, 
o povo abandonou as administrações; 
de facto, outrora ele dava o poder, os cargos, as legiões, tudo; 
agora na verdade ele se detém e opta ansioso por duas coisas apenas: 
pão e circo.” (tradução)

cPriscilla Adriane Ferreira Almeida 
104 Revista Archai, Brasília, n. 02, Jan. 2009





Nova austeridade até 2019 com tesourada de sete mil milhões
Reuters





terça-feira, 10 de junho de 2014

A corte na aldeia


Cidade da Guarda, Jorge Carmo


Este é o tempo
Este é o tempo 
Da selva mais obscura 

Até o ar azul se tornou grades 
E a luz do sol se tornou impura 

Esta é a noite 
Densa de chacais 
Pesada de amargura 

Este é o tempo em que os homens renunciam. 


Sophia de Mello Breyner
in Mar Novo (1958)


Nasci no ano em que Sophia olhou em redor e escreveu, inspirada, esse poema intemporal. Hoje, ele recupera a sua conotação imensa e numa miríade de significações ajusta-se à realidade que vivemos. 
Não vos falo de política ou de religião, mas tão somente de uma amargura colectiva na qual a dignidade da vida humana se perde em cada dia.  
Oxalá os homens não renunciem!



sábado, 7 de junho de 2014

Nunca te esqueças de Kalavrita

Leopold Survage

Que a memória dos homens não tenha a fugacidade destes tempos. Que a História regresse, matéria construtora de um futuro mais humano e justo. 
Na inquietação dos momentos que vivemos, o imediato e o descartável têm a rota do abismo. Mesmo nas mentes mais ternas existem vazios imensos sobre o nosso passado recente. Kalavrita traz-nos a lição necessária, hoje mais do que nunca.
Como foi possível?
Kalavrita, a trágica metáfora.





segunda-feira, 2 de junho de 2014

Fulgor de deserto


Alto Alentejo, José Alves

Há palavras que jorram
Límpidas na madrugada;
Há sílabas que afloram
Numa manhã orvalhada...
E este fonema secreto
Feito hino, feito salmo...
E este fulgor de deserto
Que com palavras acalmo!

Ana


domingo, 1 de junho de 2014

Dias disto e daquilo



DÉBORA E SUAS CRIANÇAS -  P. P. RUBENS

«O diagnóstico está há muito traçado e até já se sabia que 2013 marcou um novo recorde negativo em termos de natalidade, com apenas 82.787 nados-vivos de mães residentes em Portugal. O Instituto Nacional de Estatística (INE) foi agora mais longe nas contas, a propósito do Dia Mundial da Criança que se assinala este domingo, e concluiu que em 50 anos a percentagem de crianças na população residente passou de 29,2% em 1960 para apenas 14,9% em 2011.» (Público)