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Alice no País das Maravilhas, Dreamstime.com |
Caminhávamos com passos miudinhos, eu por ser tão menina e tu por os anos te estreitarem a caminhada.
Sempre nos equilibrámos sobre a vida.
Ensinaste-me a duvidar da realidade e das palavras dos humanos - «Cada um tem a sua história», dizias.
Tu descansavas menos de meia hora em cada dia de calor - «Escalecias», como se diz no nosso falar alentejano. E, eu lia, enquanto o gato dormia a sesta no meu regaço.
Quando o teu olhar negro, de morena, se cruzava com o meu encandeado e claro de branquita, o entendimento era perfeito. Sempre li nesse olhar, e nas sábias palavras que tinhas, um desafio para melhorar e para crescer interiormente. Sempre soube que éramos herdeiras do saber livresco do teu pai e da ascendência árabe e campestre de tua mãe. O respeito pelos anciãos - essa palavra de tantos plurais e, porventura, mal assimilada pela Língua - foi uma herança que o mediterrâneo nos trouxe. Eles, os sábios da nossa cultura materna. Por isso, o monte para onde caminhávamos se chama «Falcão»...
Um dia partiste, numa hora de calor de Setembro, aos noventa anos e enquanto dormias...
Lembro-te, agora, ainda refugiada do calor que a nossa terra quente respira, a recordar o deserto, aqui tão perto. Evoco-te, avó, pois há um desajuste imenso entre a tua lição da minha infância e este tempo ligeiro e fútil que cada um tenta exibir de «maravilha», enquanto o Verão corre e torra as mentes, embotando a realidade.
Um dia, será necessário acordar no país das sombras.
Ana
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Este Céu Cheio de Terra, Max Tilmann |