Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Verão

Verão, José Alves



Habita o silêncio
Onde os rios se perdem,
A tempestade floresce
Fértil, fecunda...
Habita o silêncio
Onde o horizonte cresce,
Incensa e inunda,
Secreto, imenso...


Ana


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Areópagos

12.º D

Falo-vos hoje da ternura. Esta é a profissão certa, mesmo se a mudança desordenada dela nos leva o rumo certo. Precisávamos da serenidade dos areópagos para cativar, aperfeiçoar e lapidar a pedra angular. Vivemos tempos de instabilidade e de confrontos entre o firme e o fluído. 
O professor ajuíza e julga, é duro e inflexível nas suas decisões. O seu caminho segue a recta dinâmica da consciência. Isenta-se e distancia-se, pois assim deverá ser. 
Falo-vos hoje da ternura, porque as pernas trémulas dos meus alunos se dirigiram para a sala de exame nacional. Partem sozinhos, mal sabendo andar, nos corredores que tão bem conhecem. Estou lá para os ver entrar, disfarçando o nervoso miudinho que me entrou no estômago. Quero que tenham sucesso. Se pudesse teria entrado para resolver, eu, o teste. Sempre fui assim, todos o sabem se me conhecem. 
Como puderam, hoje, depois de pautas publicadas e assim trémulos, lembrar-se de mim, meus queridos alunos?


Fui atleta, sim, e vocês descobriram




Talvez eu tenha chegado lá, a esse lugar silencioso, onde a humanidade nos une. Ouso pensá-lo e sinto-me feliz. Foi por momentos desses que há muitos anos, aos dezoito - na vossa precisa idade - me fiz professora. Primeira geração feminina que trabalha fora de casa, na minha família, foi bom sair para vos encontrar. Que o futuro vos abrace e acarinhe nestes tempos inóspitos.


Cuidadosamente
Aqui vos instalo, onde tantas vezes a música acontece. Vocês são, hoje, a melodia que dialoga com a imortalidade e cura os poetas desse excesso de sensibilidade que se acomoda sob o olhar da exigência e do rigor. São árduos os dias, mas deixem-me falar-vos da ternura que, ainda, nos habita - velhos herdeiros da colina de Ares...




Não vos esquecerei. OBRIGADA!


Ana




Post scriptum: desculpem as fotos ao meu telemóvel.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Fogueiras

Rosmaninho (google)
Filhos da charneca
não marcham
correm no passado
arriscam-se
faiscam
no descampado.

alecrim (google)


Filhos da charneca
respiram o acre
transpiram
corroem a memória
na velha fogueira
arriscam-se
pelo prado.

Mato (google)


Mesclam o mato
ensaiam o desacato
na eira acesa em fila
saltam 
cantam
encantam
quando se perfila
o fumo da festa
infesta.
                                                                     [...]

Amanhã a fonte jorrará água límpida e o muro caiado brilhará com raminhos de flores agrestes. Namorados ajudarão raparigas trigueiras a erguerem bilhas de barro.
Que lhes importa se hoje nasceu Pessoa, a minha prima aqui ao lado e se Santo António - que nunca o terá sido - escreveu longos sermões e se desfez em relíquia na longínqua Itália?

Pádua - José Alves


Portugal é o lugar de muitas ausências.


Ana



domingo, 10 de junho de 2012

Portugal - 10 de Junho

Merello







Convosco, não, traidores!
Que poeta decente poderia
Acompanhar-vos um segundo apenas?
À quente romaria do futuro
Não vão homens obesos e cansados.
Vão rapazes alegres,
Moças bonitas,
Trovadores,
E também os eternos desgraçados,
Revoltados
E sonhadores.


Miguel Torga, Cântico do Homem


sábado, 2 de junho de 2012

Fluir do tempo


Serra de Marvão, Rua.Direita.com


Afloram rochas de um tempo remoto e cerejeiras inesperadas espreitam das quintas anichadas em curvas repentinas. É um território inóspito por onde se espraia a solidão. No alto, a vila é uma ravina muralhada contra invasores de antanho.
O calor intenso não aquece, queima. Talvez a trovoada rasgue, de surpresa, o horizonte. Então, o meu medo será manifesto. Até lá, contida, falarei calmamente das aves e dos sonhos, do cheiro forte do arvoredo e daquelas casinhas com escadas embutidas no rochedo vivo.
Uma fina angústia esconde-se nos confins deste país perdido, parado na mudança sucessiva. Para onde rumaram os que por aqui caçavam, os que vieram dos areais do sul e lutaram por este chão? Para onde rumaram os pastores e os corpos enérgicos dos juncavam de searas este chão?
Quem te disse que a minha terra alentejana era um horizonte raso com uma árvore sozinha a feri-lo? 
Aqui, a violência da solidão cristalizou-se na pedra e a vida agónica não se instala no Além. Esta mestiçagem de sangues tornou-nos descrentes e lúcidos como o destino mortal dos homens. A ruína do tempo instala-se, inglória, como um entardecer sem Primavera.

Ana