Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 30 de setembro de 2017

Reflexão de véspera

Teatro de Dionísios, Atenas


Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável, apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão
e eu me perdesse nela
a paixão grega.



Herberto Hélder.

sábado, 16 de setembro de 2017

Sublimando...

Rob Gonsalves



Firmes, os teus passos rasgam uma inquieta solidão. Abre o peito à calada luz que te guia...credo no velho ideal, no sentimento ardente, na claridade azul da madrugada fria! Que importam os brados, que dizem os bardos líricos e narcísicos olhando a própria sombra? Não és um deles. A selva urbana não te intimida,nela os homens afogam os sonhos e viajam em florestas imaginárias onde os medos se escondem... 
Regressa! A lua vai alto e os ideais se acalentam.

Ana