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Telaviv, 2019 |
Estranho este "mundo às avessas", na gasta expressão que herdámos dos gregos e que pulula por aí nos títulos de livros, artigos, e o mais que se queira ler ou escutar...gasta e sempre actual, para infelicidade dos humanos. Arquíloco de Paros teria sido o seu criador, quando observava um eclipse solar no século VII AC. Já nada seria impossível, pois Zeus tinha escurecido o Sol.
A expressão vagueou pelos tempos, emergiu em Gil Vicente, Camões, ressurgiu no Barroco e em tantos outros que olharam com acuidade para aquilo que nos cerca.
Emergiu, aos meus olhos, quando caminhava por Telavive e me deparei com o edifício de nove andares (sede do Likud) que aloja um partido político de ideias perigosamente conservadoras, violentas e extremadas. Emerge, quando um povo é aprisionado pelo terrorismo que o diz defender e o usa como escudo que se esvai em morte e sangue. Emerge, quando as democracias ocidentais cedem os seus lugares institucionais a antidemocratas após eleições democráticas.
A origem poética da expressão-título cede sempre às circunstâncias históricas. Traduz o desconcerto e o descontentamento, a injustiça e a morte que vence a vida. A Poesia não nos salva, mas alarga e humaniza o olhar, por isso, não cedamos à visão apocalíptica do mundo, tão cara a inúmeros poetas portugueses!
Temos um destino comum, enquanto Humanidade. Cumprimos a vida e partimos, mas a nossa missão é deixar a Esperança aos vindouros.
O "mundo às avessas" não nos pode destruir enquanto Humanidade!
Ana
Coração, coração, por lutos inelutáveis agitado,
levanta! Protege-te dos inimigos, volvendo adverso
peito; nas ciladas hostis próximo te postas,
firme! E vencendo, não exultes abertamente,
nem vencido, em casa caído lamentes;
mas com alegrias alegra-te e deplora os males
sem excesso: aprende que ritmo rege a humanidade.
Arquíloco de Paros (séc. VII a.C.), fragmento 128
(Trad. Rafael Brunhara)
θυμέ, θύμ’, ἀμηχάνοισι κήδεσιν κυκώμενε,
†ἀναδευ δυσμενῶν† δ’ ἀλέξεο προσβαλὼν ἐναντίον
στέρνον †ἐνδοκοισιν ἐχθρῶν πλησίον κατασταθεὶς
ἀσφαλέως· καὶ μήτε νικέων ἀμφάδην ἀγάλλεο,
μηδὲ νικηθεὶς ἐν οἴκωι καταπεσὼν ὀδύρεο,
ἀλλὰ χαρτοῖσίν τε χαῖρε καὶ κακοῖσιν ἀσχάλα
μὴ λίην, γίνωσκε δ’ οἷος ῥυσμὸς ἀνθρώπους ἔχει.