Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Portugal

 

Monsaraz, Cromeleque do Xerez, 10 de junho


Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjetivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!


Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .

                                         Alexandre O´Neill

P.S.:ando de novo a cuidar da minha visão.



14 comentários:

chica disse...

Linda foto e poesia pra data festejar!
beijos, ótima semana, chica

Janita disse...

O meu grande apreço pelo Alexandre O'Neill advém dessa sua busca incessante na procura de algo de mais insólito e curioso para escrever sobre o nosso Portugal que, ao fim e ao cabo, o escritor/poeta tanto amava. Em quase todos os seus versos vemos ironia, alguma malícia e provocação, mas também muita ternura.

Fico feliz por te aliares ao Poeta neste dia que é dedicado a Camões, nosso Poeta Maior e a este nosso recanto sagrado e...tão continuamente devassado.

Um forte abraço, Ana!

Rogério G.V. Pereira disse...

Não conhecia
este
O'Neill
no seu melhor

Beijo

Maria João Brito de Sousa disse...

Eu sim, já conhecia O`Neill no seu melhor, com toda a sua fabulosa capacidade de ironizar e provocar, sem deixar de lado uma imensa ternura, como muito bem diz a Janita.

Estou a tentar voltar ao meu ritmo anterior, mas não creio que me aguente por muito mais tempo.

Um beijo, Ana.

Fá menor disse...

Grata por este magnífico poema, que não conhecia.
E uma belíssima foto. Gostaria de ver ao vivo, talvez qualquer dia.

Beijinhos e tudo de bom!

Roselia Bezerra disse...

Boa noite de Paz, querida amiga Ana!
Tenho muito carinho por nosso amado Portugal, país irmão onde pude viver muitos dias felizes.
Viva Portugal!
Tenha um junho abençoado!
Beijinhos

J.P. Alexander disse...

Profundo poema. Lindo homenaje a Portugal. Te mando un beso.

São disse...

Alexandre , sempre como ele mesmo.


Portugal é uma questão insolúvel dentro de nós.



Cuida-te e regressa breve, minha querida.


Carinhoso abraço,

Juvenal Nunes disse...

O poema é cheio de sinais, que são símbolos identificativos da nossa portugalidade.
Espero que o seu problema tenha bom sucesso.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes

Jaime Portela disse...

Grande poema do Alexandre O'Neill.
Obrigado pela partilha.
Desejo que fiques rapidamente bem dos teus olhos.
Boa semana.
Beijo.

Graça Pires disse...

Alexandre O'Neill sabia usar a ironia para dizer as palavras certas.
Cuide bem a sua visão, minha Amiga Ana.
Uma boa semana.
Um beijo.

❦ Cléia Fialho ❦ disse...

Lindo versar!
Beijinhos poéicos em seu coração.

Alécio Souza disse...

Querida Ana,
Um belo e reflexivo poema sobre Portugal, não conhecia o autor!
Desejo melhoras para a sua visão!
Um beijo!

Majo Dutra disse...

Portugal volta a viver um período sombrio de incertezas e para o promoverem,
não avaliaram o nível de vida, nem o estado da cultura, passaram de imediato
para a alta velocidade, quando há portugueses que não têm como pagar remédios,
nem possuem forças para trabalhar nessas vistosas obras...
(Lembro-me da frase de Guteres, ''ele construiu a ponte, mas eu é que a pago'')

Esta sátira de O'Neil, lembra-me as do Eça... Parece que é um mal crónico -
- a jactância parola.
Estamos de novo na cauda da Europa no última lista do Índice de Felicidade...
Cuide-se bem, querida Amiga. Ótima recuperação.
Grande abraço
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