Para Cândido Portinari
Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu stradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens baptizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o pára-quedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranquila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.
6 comentários:
Ana, que escolha formidável, sensível, deste texto maravilhoso do Jorge de Lima (texto que eu não conhecia). Expressa muito bem a tristeza que tomou conta de todos nós. Beijo!
é triste muito triste mesmo. Seria bomba? Ou foi a bomba-natureza?
Texte muito comovente.
Une pensée émue pour les familles dans la douleur.
Beijinhos, Ana.
Ana, desolador!! Forte a imagem de sangue por sobre as nuvens. Se as nuvens é de Deus, previdente que tinha que ser sobre o mar também. :( Beijus
Porque será que certas tragédias nos tocam mais que outras?
Porque será que certas histórias nos tocam como se conhecêssemos as pessoas. Ouço e leio o relato de amigos e familiares e não consigo desligar-me. E fico muito emocionada.
Beijinho, amiga.
Ana,
Sou alagoano, médico, poeta, assim como Jorge de Lima e esse texto me tocou muito. Excelente postagem!
Beijos,
Adriano Nunes.
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