Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 2 de junho de 2012

Fluir do tempo


Serra de Marvão, Rua.Direita.com


Afloram rochas de um tempo remoto e cerejeiras inesperadas espreitam das quintas anichadas em curvas repentinas. É um território inóspito por onde se espraia a solidão. No alto, a vila é uma ravina muralhada contra invasores de antanho.
O calor intenso não aquece, queima. Talvez a trovoada rasgue, de surpresa, o horizonte. Então, o meu medo será manifesto. Até lá, contida, falarei calmamente das aves e dos sonhos, do cheiro forte do arvoredo e daquelas casinhas com escadas embutidas no rochedo vivo.
Uma fina angústia esconde-se nos confins deste país perdido, parado na mudança sucessiva. Para onde rumaram os que por aqui caçavam, os que vieram dos areais do sul e lutaram por este chão? Para onde rumaram os pastores e os corpos enérgicos dos juncavam de searas este chão?
Quem te disse que a minha terra alentejana era um horizonte raso com uma árvore sozinha a feri-lo? 
Aqui, a violência da solidão cristalizou-se na pedra e a vida agónica não se instala no Além. Esta mestiçagem de sangues tornou-nos descrentes e lúcidos como o destino mortal dos homens. A ruína do tempo instala-se, inglória, como um entardecer sem Primavera.

Ana






11 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Não se te comente com a minha alma Lusa, ou com meu coração Celta ou com o pulsar do meu sangue Mouro...

A minha hesitação tropeçou neste teu quadro, a cores amargas pintado, e na referida mestiçagem (que ainda me dá alguma esperança e coragem)

Isa Lisboa disse...

O Alentejo é mais que um horizonte raso, é um local onde se encontra muita beleza!

Andradarte disse...

O Alentejo á Belo...Não desgosto de ser Beirão, mas gostava de ser
Alentejano....olá....
Beijo

Fê blue bird disse...

Para onde rumaram os que por aqui caçavam, os que vieram dos areais do sul e lutaram por este chão? Para onde rumaram os pastores e os corpos enérgicos dos juncavam de searas este chão?

Minha amiga, como lamento não haver resposta para estas pertinentes perguntas.


beijinhos

Jorge disse...

É assim, o poder avassalador do tempo.
Abrs
J

O Profeta disse...

Um sótão cheio de lembranças
Escrevi no pó palavras sem nexo
Retirei uma cartola de uma caixa de cartão
E senti ao toque o poder da ilusão

Ilusões…
Um cavalo de pau perdido ao carrocel
Uma estola de um bicho qualquer
Uma escultura talhada a cisel

Uma foto a preto e branco
De uma mulher sem rosto
Uma janela virada para nenhum lado
Uma traquitana a imitar o sol-posto

Terno abraço

vieira calado disse...

Um belíssimo retrato do (infeliz) Alentejo de hoje!

Bjsss

Gerana Damulakis disse...

Q texto! E a "violência da solidão" é uma expressão espetacular. Vc é muito talentosa com as palavras, elas te habitam. Bjos

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

Infelizmente uma realidade nua e crua do nosso Alentejo...sem mar e sem Verão nos rostos tisnados onde os sorrisos gelaram.

Um beijinho com carinho
Sonhadora

São disse...

Como comentar-te?

Simplesmente, te leio comovida e em silêncio.

Bom domingo, amiga minha

Blog Teia disse...

Olá.
Adorei seu blog,parabéns.
Até mais