Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 28 de maio de 2022

Guerra


Max Ernst



Tanto é o sangue

que os rios desistem de seu ritmo,

e o oceano delira

e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue

que até a lua se levanta horrível,

e erra nos lugares serenos,

sonâmbula de auréolas rubras,

com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte

que nem os rostos se conhecem, lado a lado,

e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…

Os olhos que já não pestanejam com a poeira…

As bocas de recados perdidos…

O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…

Tanta é a morte

que só as almas formariam colunas,

as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.


E as máquinas de entranhas abertas,

e os cadáveres ainda armados,

e a terra com suas flores ardendo,

e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,

e este mar desvairado de incêndios e náufragos,

e a lua alucinada de seu testemunho,

e nós e vós, imunes,

chorando, apenas, sobre fotografias,

— Tudo é um natural armar e desarmar de andaimes

entre tempos vagarosos,

sonhando arquiteturas.


                                         Cecília Meireles, in Mar Absoluto


11 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Guerra, é a guerra
e nada mais se exige
à poeta
que assim construa poema
falando
d´O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes

Mas, sabes?
O que seria mesmo útil
seria um poema de paz

Maria João Brito de Sousa disse...

Ao menos um abraço...

Aleluia, creio que estou a conseguir!

O Google-blogger anda louco!

Elvira Carvalho disse...

A guerra é sempre um tema difícil em poesia. Guerra é sinónimo de morte destruição dor.
Gosto muito de Cecília Meireles, mas também prefiro os poemas de paz. A guerra a vida a mostra todos os dias.
Abraço, saúde e boa semana

chica disse...

Guerras sempre nos fazem mal...
beijos praianos, tudo de bom,chica

Graça Pires disse...

Tanta a guerra, tanto o sangue, tantos os mortos, tanta a injustiça, tanto o sofrimento.
Cecília Meireles parece que fez o poema para o tempo que vivemos.
Tudo a correr bem consigo, Ana.
Uma boa semana.
Um beijo.

São disse...

Tantas guerras no planeta , tanta maldade, tantas lágrimas e tanto cinismo!

Minha amiga, te desejo serena semana e te deixo forte abraço

Olinda Melo disse...


Fui lendo o poema ansiosamente, esperando
chegar ao fim para ver a sua autoria,
pela forte mensagem que nos transmite, dos
horrores que as guerras trazem que até a
própria natureza fugiria espavorida se
pudesse.
Cecília Meireles no seu melhor, usando as
palavras com propriedade e talento.

Desejo-te boa semana, querida Ana.
Beijinhos
Olinda

Manuel Veiga disse...

um belo e oportuno poema

abraço

Jaime Portela disse...

Maldita guerra.
Excelente escolha poética.
Não conhecia, obrigado pela partilha.
Continuação de boa semana, amiga Ana.
Beijo.

Majo Dutra disse...

Como um grito...
Será que este poema de Cecilia vai ser sempre atual e pertinente?!
Há os mortos físicos da frente e há os que ficam mortos por dentro,
como é o caso dos pais de tantos mancebos, das aldeias e das universidades.
Continuo com guerra no meu 'blog'. Creio que conhece a obra que citei...
Beijinhos, querida amiga.
~~~~~

J.P. Alexander disse...

Fuerte y profundo poema. Te mando un beso.