Ana, 2023 |
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
Partem no vento, regressam nos rios.
Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.
Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram-se nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos noturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
Eugénio de Andrade in As Palavras Interditas, 1951
9 comentários:
Lindíssima tua escolha !
Bela poesia!
beijos, ótimo fim de semana! chica
Um dos mais belos poemas portugueses...
Num tempo gelado de cidades bombardeadas...
Beijinhos, querida amiga.
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Muito bem escolhido Ana.
Transporta para a crueldade e terror da guerra que vigora e sabe-se lá onde irá parar.
Quanto ao poeta, é o meu poeta de eleição, porque bem o entendo, porque de forma que parece ser tão simples, nos faz viver a profundidade da sua mensagem.
Bom fim de semana, deixo um kandando amigo.
Também gosto da poesia de Eugénio Andrade e das suas "palavras interditas. Das palavras proibidas, mas ditas nas entrelinhas. As palavras de luta pela reconstrução da liberdade, que nos tem sido tão caras, e as palavras do amor.
Estava saudosos de passar por aqui e ouvir os seus passos lá pela nossa casa!
Beijinhos, Ana!
Dizemos e sentimos que Eugénio era grande
mas ele é bem maior do que aquilo que dele dizemos
e cada poema que lemos
ampliam-se os nossos sentimentos da sua grandeza
como me aconteceu agora mesmo ao ler o teu poema
Profundo poema te mando un beso.
Eugénio de Andrade a fazer-se ouvir em "Palavras Interditas",
as quais sentimos no coração e na nossa sensibilidade. As que estão
neste belo poema deixam entrever as que não são ditas. Um poeta
que acompanha os tempos mesmo não estando por cá fisicamente.
E também fala de amor.
Adorei encontrá-lo aqui no "Sul Sereno", neste ano do seu Centenário.
Bom domingo, querida Ana.
Beijinhos
Olinda
É sempre comovida que leio o Eugénio, poeta da minha preferência, a quem tanto devo, a quem a nossa literatura tanto deve. Que bom encontrá-lo aqui.
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Thanks for sharing. Have a good day :)
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