Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Humanidade comum


Jerusalém Oriental, Nablus Road - José Alves, 2019


    Chegámos e sei que não poderei sorrir. Devo baixar o olhar, em sinal de respeito e de humildade. Todos os funcionários do hotel são homens. Este não é um mundo para as mulheres. Apesar da paixão que sempre tive pela Semiótica e leitura dos sinais, símbolos, gestos, ambientes...sinto um súbito desconforto. Em lugar nenhum me senti refém do meu género, porém o solo coberto pela carpete de tons vermelhos tornou-se a minha paisagem. Não contesto costumes alheios. A estrangeira, aqui, sou eu. Começo a entender exactamente onde estou.


José Alves, 2019


        O atendimento decorre através das vozes masculinas e a resiliência terá que me acompanhar por alguns dias, de forma a tornar-me a sombra. Não venho pelas religiões, venho pela História. Aqui, a tensão está latente e o ar tem um peso algo soturno. Só vivendo, conhecendo por dentro poderemos ajuizar. Eu não julgo, observo. Ajusto-me. A má descolonização britânica deixou uma herança de guerras e conflito sucessivo. Logo em 1948 este lugar foi dominado pela Jordânia e a criação do novo estado de Israel minou, até hoje, o sossego dos habitantes anónimos. Agora, a maioria da população é árabe e, aqui, estamos na Cisjordânia (uma parte da Palestina dependente da A.N.P.). Temos consciência de que assim é.


Jerusalém oriental - José Alves, 2019


    Deste lado, temos a cidade velha muito acessível a pé e queremos conhecer os lugares, demoradamente. Nas viagens, o mais interessante é conhecer o espírito dos lugares! A porta de Herodes é logo ali...
    Saímos para o trânsito caótico e a primeira mulher com que me cruzo usa hijabe, ensaio maquinalmente um sorriso e sou correspondida. Não se importou de ser fotografada, coisa que, por cuidado e respeito, não faremos a uma mulher muçulmana. Esse unanimismo singelo recordou-me a nossa Humanidade comum. 

Ana
    




14 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Dizes
«A má descolonização britânica deixou uma herança de guerras e conflito sucessivo.»
Mas pergunto:
Houve alguma descolonização que não deixasse tal herança?

(teu texto é um documento)

Beijo

chica disse...

Lindas fotos e vale respeitar e conhecer o mais possível as cidades, tradições, costumes . Uma experiência maravilhosa, na certa! beijos, tudo de bom,chica

Janita disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
J.P. Alexander disse...

es un lindo lugar lastima que este rodeado de guerra. Te mando un beso.

São disse...

Realmente, é-me totalmente impossível visitar um lugar assim, por muito que eu adore História!!!

Beijinho, bom Fevereiro

Maria João Brito de Sousa disse...

Um belíssimo documento histórico, este seu texto, Ana.

Um abraço!

Klaudia Zuberska disse...

Beautiful, very historical post!
Greetings from Poland!

Olinda Melo disse...


Querida Ana

A nossa Humanidade comum!
E, contudo, tao diferentes em usos e costumes.
Em que momento nos desirmanámos e cada qual
seguiu o seu próprio caminho.
É importante conhecer a História. A História
das Religiões, a História das Mentalidades.
Bom domingo
Beijinhos
Olinda

Graça Pires disse...

A História não nos deixa esquecer, mesmo quando queremos que o pensamento nos absolva dos graves erros que foram e continuam a ser cometidos. O seu texto é magnífico e mostra bem a sensibilidade do seu olhar sobre as coisas.
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.

Elvira Carvalho disse...

Gostei de ler e ter uma ideia do que é viver ou visitar o país.
Abraço e saúde

Majo Dutra disse...

A Cisjordânia foi realmente palco de lutas duríssimas e altamente mortíferas!...
Acrescento, por um direito pouco ético que jamais será resolvido... E faço silêncio em honra dos que pereceram...
Querida amiga, falta-lhe visitar a Jordânia... Lá cada um anda com ou sem véu, como entender...
Vamos vivendo este tempo singular e cruel, assistindo a um genocídio... Beijinhos
~~~~~~~~~

- R y k @ r d o - disse...

Existem Países de usos e costumes muito estranhos. Fazer da mulher um ser inferior é da mais baixa sensibilidade humana. Como é possível ainda acontecer em pleno século xx1.
Belas imagens e texto. O meu elogio
Gostei do seu blogue. Fiquei seguidor

Feliz fim de semana… cumprimentos cordiais.
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos

AC disse...

Compreendo, Ana, a limitação de género atendendo ao lugar, mas, por mais que me esforce, não consigo aceitar. É que, por mais observadora que seja, fica sempre condicionada por essa situação. Ou não?

Um beijinho :)

Janita disse...

Querida Ana, peço-lhe imensa desculpa mas eliminei o meu comentário anterior.
Sei que, por vezes abordo temas pessoais, que deveriam ser preservados, porém, uma coisa é falamos de nós, outra muito diferente é expormos assuntos melindrosos publicamente de outras pessoas sem o seu devido consentimento. Só quando li no meu espaço a sua referência ao Muro e, ao voltar aqui e ler o que havia revelado, me apercebi da enorme indiscrição que havia cometido.

Renovo as minhas desculpas e peço-lhe encarecidamente que, em hipótese alguma publique seja o que for referente ao que contei. Infelizmente, não só à Ana, mas a todas as pessoas que por aqui comentaram. Imperdoável! Fui muito além de um simples comentário. Revelei algo de foro pessoal e íntimo, que embora me afecte, não me dizia directamente respeito. Sinto-me tremendamente envergonhada.

Muito obrigada, Ana.
Um beijinho grato