VIERAM
com os galões dourados
os galos do Norte e as feras do Levante.
E tendo repartido em duas a minha carne
acabaram por se disputar pelo meu fígado
e foram-se.
"Para eles", disseram, "o fumo do sacrifício,
para nós os fumos da glória,
amén."
E o som enviado do passado
todos o ouvimos e conhecemos.
Conhecemos o som e de novo
de voz apertada cantámos:
para nós, para nós o ferro ensanguentado
e a traição triplamente urdida.
Para nós a madrugada na caldeira
e os dentes cerrados até à hora derradeira,
e o dolo e a rede invisível.
Para nós o rastejar na terra,
a jura escondida na escuridão
dos olhos, a crueldade,
sem nenhuma, nunca nenhuma Contrapartida.
Irmãos enganaram-nos!
"Para eles", disseram, "o fumo do sacrifício,
para nós os fumos da glória,
amén."
Mas tu na nossa mão a candeia das estrelas
com a tua fala acendeste, boca do inocente,
porta do Paraíso!
A vigência do fumo no futuro vemos
jogo da tua respiração
e seu poder e reinado!
de Louvado Seja (Áxion Estí),
tradução portuguesa e posfácio de
Manuel Resende, Assírio e Alvim, 2004.
Odysséas Elytis é um poeta grego falecido em 1995. Recebeu o prémio Nobel em 1979.
Áxion Estí, publicado em 1959, é um poema nacional no qual o poeta, inspirado na tradição, revê a história da Grécia com todas as suas vicissitudes e anseia por um renascimento. E, como ele disse no Discurso do Prémio Nobel:
"No fundo, o mundo material é um puro amontoado de matéria. A construção final depende da nossa qualidade de arquitectos. O paraíso ou o inferno. Se a poesia contém uma garantia e isto nestes tempos sombrios, é precisamente esta: que o nosso destino, apesar de tudo, está nas nossas mãos."
In Posfácio a Áxion Estí de Manuel Resende.