Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Abril

Foto: Félix Esteves - 25 de Abril de 1974



 
Havia uma lua de prata e sangue
em cada mão.

Era Abril.

Havia um vento
que empurrava o nosso olhar
e um momento de água clara a escorrer
pelo rosto das mães cansadas.

Era Abril
que descia aos tropeções
pelas ladeiras da cidade.

Abril
tingindo de perfume os hospitais
e colando um verso branco em cada farda.

Era Abril
o mês imprescindível que trazia
um sonho de bagos de romã
e o ar
a saber a framboesas.

Abril
um mês de flores concretas
colocadas na espoleta do desejo
flores pesadas de seiva e cânticos azuis
um mês de flores
um mês.

Havia barcos a voltar
de parte nenhuma
em Abril
e homens que escavavam a terra
em busca da vertical.

Ardiam as palavras
Nesse mês
e foram vistos
dicionários a voar
e mulheres que se despiam abraçando
a pele das oliveiras.

Era Abril que veio e que partiu.

Abril
a deixar sementes prateadas
germinando longamente
no olhar dos meninos por haver.


José Fanha, Lisboa, Portugal
(Do livro ainda inédito "Tempo azul")


“Estaria naturalmente muito preocupado” — Natércia Salgueiro Maia recorda o marido 50 anos depois da Revolução.

Meio século depois, a mulher de Salgueiro Maia lembrou o capitão de Abril e falou sobre o atual panorama que Portugal se encontra a viver. (Fonte: SIC)

terça-feira, 23 de abril de 2024

23 de Abril - Sugestão de Leitura

 






    Esta obra de José Saramago, colectânea de seis contos que ainda seguem a norma gramatical, foi editada pela primeira vez em 1978. Exercício sublime de prosa poética a ecoar, ao fundo, alguns autores da América do Sul, como J. Cortázar ou J. L. Borges -  é pouco divulgado actualmente.



   
 O meu exemplar é de Abril de 1984 e mereceu um autógrafo de Agosto desse ano. Saramago era, às vezes, um rosto fechado de ironia e, isso, desagradava a muita gente, mas o seu brilhantismo estava nas ideias e nessa inigualável capacidade de criar distopias. O mundo era, então, reescrito com uma singularidade poética extraordinária.




    Um dos contos, "Embargos", serviu de guião a uma curta-metragem em 2010, mas nada iguala o prazer puro de ler o Autor. Não desmereço a linguagem cinematográfica, mas as palavras originais estão plasmadas nos livros - nada as substitui.


    Nota: só não me peçam que traia o Autor, lendo-o no AO de 1990.



quinta-feira, 18 de abril de 2024

Telurismo

 

Faisão, Alentejo, 2024

   
  Mergulhámos no Alentejo rural e profundo. Deslizamos entre flores da imensa tela alentejana. Perene de vida, a planura aconchega-nos os pensamentos. Anteu talvez nos ajude.
 Anda, sente comigo esta velha união do Homem à Terra, à maravilha que Gaia, a Mãe, nos concedeu. Quando foi que os humanos quebraram esse magnetismo primitivo de sentir os lugares? Brincas e dizes que eu, felina, ainda conservo essa reminiscência ancestral. Não sei...
 Talvez amanhã a trovoada se despenhe sobre esta terra imensa...sinto um desconforto súbito.
 As aves não se assustam à nossa passagem, nem se agitam, entretidas que estão numa busca qualquer. Telurismo sereno, harmonia secreta que nos une e revitaliza. 
 Aqui, subitamente, o Mundo ficou distante.
                

Faisão fêmea (faisã ou faisoa), Alentejo, 2024



terça-feira, 16 de abril de 2024

Prosas ao Suão OU o regresso ao início...

 

Cá de casa

    Voltei, meus @amigos, pois a Vida sempre clama por nós. Hoje, o clamor foi algo prosaico, pois tive que alterar o título do blogue, mais uma vez. O motivo será esclarecido em tempos por vir. O "Rara Avis" (título original) foi "vampirizado" como marca de vestidos e adornos de casamento - imagine-se! Passei a ter um número astronómico de visitas e muito spam à mistura. Como o meu objectivo nunca foi o de somar "visitas"...mudei o título.
    Agora, por o Sol ter chegado quente e de forma extemporânea ao Alentejo, ocorreu-me esse Suão que nos quebra os ossos. As Prosas, ao serão, que ouvíamos dos nossos ancestrais eram conversas que maravilhavam miúdas como eu... 
    Agora, que o mundo anda mais cinzento, prosemos ao Suão!

    Grata pela vossa compreensão e pelo apoio demonstrado.
    Tenham dias com saúde e luminosos.


NOTA: ALGUNS EMAILS DE AMIGOS CONVENCERAM-ME. VOU VOLTAR AO TÍTULO ORIGINAL, MESMO CORRENDO RISCOS...PEÇO DESCULPAS. 
DEVO TER SIDO AFECTADA PELO VENTO SUÃO, OU POR UM CERTO VENDAVAL...





quinta-feira, 4 de abril de 2024

quarta-feira, 20 de março de 2024

O Jardim

 

Cá de casa, 2024

Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes.
Sequências de convergências e divergências,
ordem e dispersões, transparência de estruturas,
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas.

Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direcções de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curvas vagarosas, pulsações de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.

Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis.
É aqui, é aqui que se renova a luz.

               
António Ramos Rosa, in Volante Verde


Alentejo, 2024


terça-feira, 12 de março de 2024

11 de Março - uma sugestão

 

Alentejo, 2024

    

    Entre o dia das mulheres sufragistas e o 11 de Março ( outro, que já tivemos o de 1975), muitas palavras se esgueiraram...


Alentejo, 2024

    Só as cores do meu Alentejo permanecem iguais às daquele dia 10 de março, longínquo, de 1977 em que comecei a trabalhar. Era, então, uma miúda de 19 anos...tempos de sonho e de muita esperança no futuro.

Alentejo, 2024

    Hoje, vivemos tempos incertos. Oxalá possamos seguir adiante, sem retrocessos. 
    Para um olhar, aqui vos deixo uma sugestão:


Maria Lamas


    "Maria Lamas (1893–1983), jornalista e escritora, pedagoga e investigadora, tradutora e fotógrafa, lutadora pelos direitos humanos e cívicos em tempos de ditadura, foi porventura a mais notável mulher portuguesa no século XX. Enquanto perdura uma certa memória da sua afirmação e ação políticas durante o Estado Novo (anos 1930–1960, que a levou à prisão em 1949, 1951 e 1953) e do seu exílio em Paris (1962–1969), a sua obra literária e jornalística está praticamente esquecida. Muito poucos dos seus livros – mais de uma vintena de obras entre poesia, ficção, literatura infantil, antropologia social, tradução – se encontram disponíveis no mercado." 


Exposição:

26 jan – 28 maio 2024
das 10:00 – 18:00


Local: Átrio da Biblioteca de Arte Gulbenkian

Preço:
Entrada livre
Sujeita à lotação do espaço



Alentejo, 10 de Março de 2024


Alentejo

A luz que te ilumina,

Terra da cor dos olhos de quem olha!

A paz que se adivinha

Na tua solidão

Que nenhuma mesquinha

Condição

Pode compreender e povoar!

O mistério da tua imensidão

Onde o tempo caminha

Sem chegar!...



Miguel Torga, in Antologia Poética, 1974


sábado, 9 de março de 2024

Nunca

 

Care.org - Sudão


Um pardal com saudades de seu lar,
Empoleira-se na janela do coração;
seus olhos têm anseio,
Ele se estica para olhar as casas,
Nos céus distantes,
Esperando por uma manhã alegre,
Carregada de promessas,
Para pousar como um turbante,
Nos ombros de sua pátria.

Com cada golpe nós mergulhamos em um abismo escuro,
A junta de pés pesados ​​sitia nossas canções,
Agitam nosso tinteiro, confiscam sua paz interior.

Eles envenenam nossa alegre primavera,
E colocam seus focinhos em tudo.

Mais um sonho agradável eles desfiguram,
Aos olhos de cada mãe.
Mas eles não conseguem nos silenciar.

Nunca.

Em suas celas bebemos,
o xarope da perseverança,
Para permanecermos,
firmes e corajosos.

Ó meus tempos de prisão,
Ó minhas dores,
de saudade
e de tormento,
Se eu perder o contato com você,
Quem, neste tempo de coerção, eu seria?

Se eu perder contato com você eu vou trair,
Os pequeninos que ainda estão por vir,
Se eu perder o contato com você,
Vaidoso e egocêntrico eu me tornarei.

Enquanto eu tiver uma voz em meus acordes,
Que prisão — ou mesmo a morte — pode me silenciar?

Não.
Jamais sucumbiremos.

Eles não têm nada a dizer
Quanto ao nosso destino.

Não, eles não têm!
Somos nós que trazemos a vida
Aos poros mortos da dormência.

Minha querida,
minha companheira de vida,
No mais alto respeito, sempre te manterei.

Ó minhas amadas filhas,
Aninhadas à sombra das pessoas gentis.

Ó espaço luminoso ainda ao alcance dos olhos:
Aqueça-me com suas saudações pacíficas,
Com suas cartas.

Dê minhas saudações aos meus pares;
Dê minhas saudações às nuvens;
Dê minhas saudações à terra;
Dê minhas saudações à multidão;
E às palavras de romance,
Nos cadernos da juventude.


Mahjoub Sharif, poeta do Sudão (tradução de Raad Abdullah Ferreira)



ONU








terça-feira, 5 de março de 2024

Volição

 

Humildade · Charles Edward Perugini

     Ser o que sonhámos ser deveria ser o desígnio de cada um. Agradeço ao Criador ter tido essa força de vontade, apesar de não me ter sido fácil.
    Escorregamos pela vida e o íntimo sentimento de paz e de tranquilidade habita-nos, mesmo quando um estranho mundo se nos apresenta, perene de violência, turbação e desatino mental generalizado. 
    Dizem-me amiúde que este não é o tempo dos sonhadores nem dos idealistas. Porém, eu, adepta da volição, recuso-me ao desencanto e à ruína, ou ao materialismo economicista no qual um mundo a preto e branco se vai rabiscando de forma desenfreada. 
   O Homem, medida austera de todas as coisas, precisa reconstruir-se e, antes de tudo, Ser, na construção existencial e não existir somente como fruto das circunstâncias externas de momento.
    Cada decisão, como fruto do velhinho e sempre actual "Querer é Poder", resulta de uma profunda humildade consciente. Assim, a cada dia o sonho de um Mundo melhor, talvez ainda se concretize para os vindouros. Não tenho a certeza de que se conheça, hoje, entre a maioria dos jovens, o significado da palavra volição.




quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Tempo incomum


O orador, Arthur Segal




Este não é o tempo da metáfora,
Nem da retorcida palavra ilusória.
Este é o momento linear...
Sem grifo, sem canto, nem vitória!

É o tempo da dura linha branca,
Da aguda palavra cristalina...
Inglória, anarcísica e milenar,
Numa curva da História, sibilina!

Ana

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Luz que nos cega


Sun Tamer

Vladimir Kush



Talvez o silêncio...

absoluta paz da planura.

Talvez o sonho...

que no ideal perdura.

Talvez a rectidão...

que em ti ainda dura.


Ana


quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

A Sabedoria e a Alegria



Camélia - cá de casa, 2023



    "Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores."
                                           
                                          Séneca                                       
(o filósofo ibérico de Córdoba, que se diz romano)




segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Partidas...que se aproximam

 

Blanca Alvarez


  Deixo o meu Alentejo e subo precipitadamente a Norte. Os ancestrais teimam em deixar-nos...agonia, amargura e dor  na expectativa da eterna viagem. 
    Depois, voltarei.


terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

A carruagem

 

Andrea Appiani (1754-1817), A carruagem do Apollo


Voltará Apolo a cruzar os céus
trazendo a Esperança,
a Luz da verdade e o Sol?

Cruzará Apolo o firmamento
protegendo da Lança e da destruição,
adornando o Cristo e a sua cruz?

Herança da Índia ou Europa remota,
semita de um lugar infindo e secreto,
traz-nos a Paz, devolve-nos ao Sonho!

Meu pitagórico Uno, embala o Futuro.

Ana


domingo, 4 de fevereiro de 2024

Ludicamente

 

Lisboa, 2024

    Percorro a cidade, ecos e vozes estalam contra o sol de Janeiro. 


Lisboa, 2024

   
    Há um descuido de urbanidade e decadência que um olhar mais atento desnuda. Desnorte subterrâneo onde os rumores se escondem.


Lisboa, 2024

    O olhar, farol do Amor, detém-se sobre os objectos amados. É a glória da Luz de olhares transformantes.


Biblioteca Nacional, Lisboa, 2024


    Os passos de regressos apaziguam os tormentos das almas inquietas.


Biblioteca Nacional, Lisboa, 2024

    "Bom dia"...familiar, ainda, este rosto que sorri, ou será a empatia que experimenta o desconhecido que vivo por todos os cantos do planeta? "Bom dia"...

    Ah, os livros...sempre os livros!

Acabou de sair a última versão

    Ocorre-me então mais uma tisana que sorvo com o aroma quente de uma amizade, neste lugar, tão presente! Bebam-na comigo, meus amigos:


"n.º 240 - Os livros quando são lidos por leitores apaixonados, alegres soltam suas folhas coloridas pelos ares da mente, guardião involuntário em todas as ocasiões. Este é um discurso cuja antiguidade reconstituo ludicamente enquanto escondo a ferida do tempo." Ana Hatherly


SINOPSE:
Estas Tisanas, pequenos poemas em prosa, foram um trabalho constante da vida literária de Ana Hatherly, iniciado em 1969. Durante a vida da autora, estes poemas conheceram várias publicações, sendo um grande número de novos poemas acrescentados e redigidos ao longo dos anos. A recolha que agora se apresenta tem por base a última revista pela autora, com um posfácio de Ana Marques Gastão.

As Tisanas são uma meditação poética sobre a escrita como pintura e filtro da vida. No seu conjunto formam uma espécie de cidade-estado construída pela escrita criadora... (Assírio&Alvim)



Já por aqui andámos juntas:




segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

IRMANDADE


Odilon Redon, "A Morte de Buda"


Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.

Octávio Paz



segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

A janela

 

https://bettinabaldassari.wixsite.com/bettinabaldassari/portfolio

    
    Havia uma janela na casa da avó e dela eu via o mundo. O aroma a café inundava a casa e, lá fora, na rua de paralelepípedos ecoava o patear do cavalo que o senhor Pintão amestrava numa dança bem ritmada.
    Por vezes, uma brigada de GNR descia a rua zelando uma ordem de espartilho bem apertado. Só o meu pensamento esvoaçava pelos telhados de Janeiro, numa transgressão de menina que corria com os lobos.
    Havia, por certo, outros mundos de casas mais altas e gente aprumada, já encontrara tantas dessas pessoas nos romances que devorava, quando a fuga ao olhar da janela se debruçava e mergulhava nos velhos livros...
    
Bettina Baldassari, "Waiting"

       
Ao serão, bebíamos chá verde e comíamos bolachas. A avó contava episódios de outros tempos, das guerras, das profecias, dos sinais de fogo, de Castelo de Vide, das noites no monte, dos livros do pai dela, de costumes nossos que não poderíamos divulgar mas deveríamos manter, do voto do avô em Humberto Delgado, da necessidade daqueles rituais tão nossos...
    Manhãs serenas de fatias douradas.Tardes de gaspachos e arrebóis incendiados.
    "Vó", para onde foram as aves?


                Ana
    


quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O mundo às avessas

 

Telaviv, 2019

    

    Estranho este "mundo às avessas", na gasta expressão que herdámos dos gregos e que pulula por aí nos títulos de livros, artigos, e o mais que se queira ler ou escutar...gasta e sempre actual, para infelicidade dos humanos. Arquíloco de Paros teria sido o seu criador, quando observava um eclipse solar no século VII AC. Já nada seria impossível, pois Zeus tinha escurecido o Sol.
    A expressão vagueou pelos tempos, emergiu em Gil Vicente, Camões, ressurgiu no Barroco e em tantos outros que olharam com acuidade para aquilo que nos cerca.
    Emergiu, aos meus olhos, quando caminhava por Telavive e me deparei com o edifício de nove andares (sede do Likud) que aloja um partido político de ideias perigosamente conservadoras, violentas e extremadas. Emerge, quando um povo é aprisionado pelo terrorismo que o diz defender e o usa como escudo que se esvai em morte e sangue. Emerge, quando as democracias ocidentais cedem os seus lugares institucionais a antidemocratas após eleições democráticas. 
    A origem poética da expressão-título cede sempre às circunstâncias históricas. Traduz o desconcerto e o descontentamento, a injustiça e a morte que vence a vida.     A Poesia não nos salva, mas alarga e humaniza o olhar, por isso, não cedamos à visão apocalíptica do mundo, tão cara a inúmeros poetas portugueses!
    Temos um destino comum, enquanto Humanidade. Cumprimos a vida e partimos, mas a nossa missão é deixar a Esperança aos vindouros.

    O "mundo às avessas" não nos pode destruir enquanto Humanidade!

Ana
    

    
Coração, coração, por lutos inelutáveis agitado,
levanta! Protege-te dos inimigos, volvendo adverso
peito; nas ciladas hostis próximo te postas,
firme! E vencendo, não exultes abertamente,
nem vencido, em casa caído lamentes;
mas com alegrias alegra-te e deplora os males
sem excesso: aprende que ritmo rege a humanidade.

Arquíloco de Paros (séc. VII a.C.), fragmento 128






(Trad. Rafael Brunhara)

θυμέ, θύμ’, ἀμηχάνοισι κήδεσιν κυκώμενε,
†ἀναδευ δυσμενῶν† δ’ ἀλέξεο προσβαλὼν ἐναντίον
στέρνον †ἐνδοκοισιν ἐχθρῶν πλησίον κατασταθεὶς
ἀσφαλέως· καὶ μήτε νικέων ἀμφάδην ἀγάλλεο,
μηδὲ νικηθεὶς ἐν οἴκωι καταπεσὼν ὀδύρεο,
ἀλλὰ χαρτοῖσίν τε χαῖρε καὶ κακοῖσιν ἀσχάλα
μὴ λίην, γίνωσκε δ’ οἷος ῥυσμὸς ἀνθρώπους ἔχει.