Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

ESPERANÇA [POEMA DO FIM DO ANO]



Jim Warren





Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenes
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


© MARIO QUINTANA
In Apontamentos de História Sobrenatural, 1976






sábado, 17 de dezembro de 2016

BOAS FESTAS



Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?
Jorge de Sena
(1919-1978)


domingo, 11 de dezembro de 2016

Samarra

Estuque de Samarra, Iraque

     São estranhos os dias que o frio acalenta. Pego na minha samarra e saio por aí, agora sempre com rumo, que o meu tempo se encurtou. Dizem-me que o Natal se aproxima. Parece que sim. Lamento, mas não sou dos que correm por ser Natal. O tempo não me comove...escapa-me na multifacetada tarefa em que me tornei. Gostaria de recordar a Dona do Tempo Antigo, qual Bernardim Ribeiro. Gostaria da lassidão de alguns verões de outrora...
     Vejo dias sem Paz. Criaturas que morrem enquanto rezam ao seu Deus. Gente incauta que morre num passeio das cidades. Meninas que explodem no templo. Barcos que se afundam, mas já não enchem os canais fúteis de televisões acéfalas. Gente virtualmente feliz que se expõe até ao exagero e se emaranha em redes. 
     Ao longe a guerra. Aqui, a indiferença que urde os dias.

     
          Ana 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

«Traduzir-se», Ferreira Gullar

Alentejo, Google




Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

terça-feira, 15 de novembro de 2016

A Porta

 Através das portas do Propileus,  Acrópole de Atenas,  Grécia - 14/11/2016 (Alkis Konstantinidis/Reuters)





Por esse pórtico, amor, subimos um dia,
Quietos, serenos, ébrios de sonho.
Buscámos a paz íntima, a energia
Que apagasse o íngreme e o medonho
Peso de um quotidiano sem alegria...
Para nós, Péricles desenhou esta porta
E não para os vindouros do Peloponeso.
O eco  dos deuses ainda nos exorta
E o prumo continua recto e ileso!

Ana

sábado, 12 de novembro de 2016

PARA O MEU VELHO LAYTON




Casa onde viveu L. Cohen (Martha Gonzalez)




Ele oculta a sua dor sem dono
em frases de amor
da mesma maneira que um gato esconde as fezes
debaixo das pedras e aparece durante o dia,
arrogante, limpo, rápido, disposto
a caçar ou dormir ou a perecer de fome.

A cidade recebe-o com lixo
que ele interpreta como um elogio
da sua musculatura. Cascas de laranja,
latas, tripas chovendo como papel de telétipo.
Durante algum tempo ele destruiu as suas noites
com a sua sombra reflectida na janela da lua cheia
enquanto espiava a paz da gente vulgar.

Uma vez invejou-os. Agora com um feliz
uivo saltava de monumento em monumento,
penetrava nos seus lugares mais sagrados, ébrio
de saber quão perto vivia dos mortos
debaixo da terra, ébrio de sentir o muito que queria
aos seus irmãos que ressonavam, os velhos e as crianças da cidade.

Até que por fim, cansado como Tímon
do odor humano, ressentindo-se mesmo das suas próprias
pegadas no deserto, dedicou-se a caçar animais, e adornou-se
com braceletes de serpentes vivas e cizânias.
Enquanto a maré descia como uma manta,
ele dormia em cavidades das rochas um sono pesado
sem sonhos, a aragem brilhante do sol
como se fosse um laboratório automático
formando cristais no seu cabelo.

Leonard Cohen



Hydra, Grécia (Ilha onde viveu uma parte da vida), Martha Gonzalez

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Políticos: a dimensão social e ética

πολιτικός
POLÍTICO (dos cidadãos ou do estado).

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Cinza

Juarez Machado



Sobre a cinza dos dias...é o tempo que voa, em ruínas.





segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Sobre o arame

AFTER  THE  RAIN  by  Leonid  Afremov



Subi montanhas a pique, como felino nas escarpas. 
Percorri a planície, na indolência do não chegar, perseguindo a linha impoluta do horizonte. 
Pisei, contigo, os glaciares das neves eternas, com um calor íntimo acariciando o peito arfante. 
Verguei os joelhos na busca do não encontro e, por momentos acreditei que Estavas antes daquela perturbação do Nada Inicial que tudo criou nesta velocidade a que vamos, rumo ao indefinido final.
Subi a Acrópole na busca incessante da Sabedoria que aos humanos alimenta. Extasiada, olhei a distância e percebi a precária linha por onde caminhamos. 
Pisei prados transalpinos e areias dos desertos.
Olhei mares de todos os nomes que se agitavam em marés de  ideais antigos.
Teia inacabada da minha humana condição. 

Ana



terça-feira, 27 de setembro de 2016

E as crianças, Senhor?



Síria, Amnistia.org


Na geometria quieta,

A tarde que finda...
Nostalgia secreta
Que os sonhos alinda.
Na distância rumores
E o choro de crianças.
Não fales das flores...
Não ensaies as danças!


Ana





sábado, 17 de setembro de 2016

Aguarela breve

Pireus, Grécia  - José Alves


Sereno Setembro
em vagas de luz.
Cristalinas sibilas
onde o verbo reluz.


Ana


terça-feira, 23 de agosto de 2016

Perco-me por Atenas...

José Alves, Atenas
Garrafa de água em punho, perco-me por Atenas. Imensa e caótica, respira o ar de abandono de um cenário por onde invasores e lutas se cruzaram. 

Atenas, José Alves
Gente solitária parece caminhar arrastando os seus temores...

Atenas, José Alves
Muitos atenienses partiram, num abandono escravo...que Atenas nunca será Esparta!

Atenas, José Alves
Rostos sírios, orientais, búlgaros, romenos...unidos pela pobreza evidente. Rostos em fuga, rostos sem censo. Quantos milhões aqui habitam? Ninguém sabe ao certo. Um aroma intenso de «souk». Sorrio. Também eu não pertenço à polis.
Atenas, José Alves



sábado, 20 de agosto de 2016

No coração de Atenas


Ágora Antiga, José Alves

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
                                              Constantino Kaváfis 

Parthenon, José Alves


José Alves

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Um dos cem mais belos poemas...


Atenas, http://static.ci.com.br



À espera dos bárbaros


O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
                                              Constantino Kaváfis 
(Tradução de José Paulo Paes)

sábado, 16 de julho de 2016

Fraternité

expedia.com

O lugar é muito belo. Ali, o Mediterrâneo beija suavemente uma orla de areia grossa e acordámos de espanto na nossa primeira grande viagem, aturdidos pela beleza e pelo encantamento permanente dos iniciados. Tão jovens, mal tínhamos passado os vinte anos e o peito mal continha a avassaladora paixão que, assim, uniu o meu Sul e o teu Norte. Havia gente, serenamente, nas ruas, mas nós pulámos para a praia, para o duche e para o encanto da longa marginal - «Promenade des anglais».
Estivemos, ali, mais duas vezes com o nosso filho. O encanto já não tinha a novidade, mas perdurava ainda. A luz clara, o azul tão puro, o Amor!
Agora, letras de sangue orlam este mar e desaguam naquela rua feita de verão e dos sonhos viajantes.
A barbárie e a loucura espreita em cada esquina o homem comum que ainda acredita na Humanidade...

Ana

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Estradas

CM Etremoz

Sentámo-nos numa esplanada da praça. Dezasseis horas. Trinta e seis graus, sol a pique e uma brisa doce. Estamos tão bem aqui. Comemos um «rainha santa»...e a praça em frente, empedrada com cores claras e traçada de quadrículas pretas, gera uma geometria de exactidões. Ao longe, um monumento bélico recorda a I.ª Guerra e uma frase aí inscrita martela-me intimamente: «Só aos fracos a morte intimida...». É o berço exigente da minha terra. Estive ali inúmeras vezes e dali partiu a minha amiga, no fulgor dos seus vinte e tantos anos, para trabalhar comigo. Não chegou. Nunca mais chegou. As estradas enganosas da minha planície a levaram. 
Estremoz é um lugar assim. Notas soltas na nostalgia doce de uma tarde calma, quente respirar fremente da vida ainda por viver.
- Vamos, traz-me uma água fresca, por favor.
Bênção serena da vida.

Ana

terça-feira, 21 de junho de 2016

No princípio...

Vladimir Kush, Symphony of The Sun


Chegaram os longos dias do futuro. São quentes e caminho entre tílias. Contra o peito aperto o sol e a esperança. 
Que importa se não te explico, em intimismos banais, a doçura serena dos passos rápidos? Este mundo que se agita à superfície e que parafraseia poetas de antanho, que li um dia, olhando o Mediterrâneo, não me inspira nem arrebata. Cultismos novos juntam palavras antigas, na emergência vazia dos dias que restam. Glórias narcísicas em solidões quietas. Entendo.
Trabalho. Trabalho sempre. Trabalho, no rumor dos que esperam um novo dia de olhar luminoso. Amarei hoje e no futuro esses jovens inquietos que se sentam em filas nervosas, desventrando a alma dos Textos. Eles sabem e eu sei: no princípio era o verbo
Recriemos, então, o Mundo, nos longos dias do futuro!

Ana




domingo, 19 de junho de 2016

Recordando...

Salvador Dalí, 1936 (O Grande Paranóico)

« Eis o espectáculo do mundo, meu poeta das amarguras serenas e do cepticismo elegante. Desfruta, goza, contempla, já que estar sentado é a tua sabedoria...», J. Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis



Sol




quarta-feira, 15 de junho de 2016

Trémulo azul



José Alves 

Trémulo azul
Inquieto infinito
Aberto na lava
Como ave
Como bruma
Soturna e luminosa
Como sonho
Como lume
Trémulo e azul
Desenho irreal
Traçado a gume
No humano granito


Ana




domingo, 12 de junho de 2016

De regresso a Portugal e ao tempo de Pessoa...









CXXXVI
I

Nunca persegui la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebararse.



(página, 174)




quinta-feira, 2 de junho de 2016

«Lamber as botas»

François de Nomé (1593 – 1620)/Monsú Desiderio

Acontece-me pensar na fragmentação enquanto forma de dissolução das sociedades. As fracturas são feridas que se instalam no seio dos pequenos grupos organizacionais e ilustram a decadência. Pseudoafinidades são jogos de interesses miudinhos e formam células de podridão que servem uma influência narcísica e frágil. Dúbias figuras transversais sobem nas hierarquias, como lesmas, na baba que segregam. Deslocam-se em todos os grupos sem qualquer sentido de pertença ou de Ideal - sem gnose e sem fé.

Cheguei a um tempo reflexivo. Observo e laboro com o mesmo afecto. Concluo da ausência das Humanidades e deste efeito catastrófico, desta futilidade vigente que tudo mistura, deste nulo em que se afundam as sociedades ocidentais, os seus grupos sociais, principalmente os profissionais...

Só quem não conhece o fundamento vão do absolutismo, ou não leu o seu mentor, poderá passar à margem do velho escrito civilizacional que, hoje,  no final de mais um ano lectivo, aqui vos deixo.

vanitas vanitatum et omnia vanitas

(Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade.)

 Conclusão melancólica do Eclesiastes (XII, 8), sobre a pequenez das coisas deste mundo.


Ana

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Oração poética


Pavia, José Alves


Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além.

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Amém.


Natália Correia


Nota: dias amarelos...o meu amarelo é alentejano e é ocre.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Anil

Cesar Rengifo, pintor venezuelano

Além
Há um azul líquido
Que escorre
Nos incertos dias

Anil luminoso
Do grito dos homens
Que escorre
Nos incertos dias
Lavradas euforias
Inundam essas ruas
De nuas alegrias

Anil tão azul
Na fome dos dias
Aquém


Ana




Nota: cerca de um milhão de portugueses vive na Venezuela.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O silêncio que grita

Montargil, José Alves

Espraio por ali o olhar. Alongam-se os dias sobre tardes azuis que escurecem lentamente. Gosto da lentidão plana, dos olhos que falam, dos lugares vazios, desta vaga angústia que me fala dos anos que passam e daqueles que partem...
Ânsias ruidosas assolam quotidianos febris.

José Alves


domingo, 15 de maio de 2016

Livro de Horas

Maître de L’Échevinage de Rouen, cena rural


Não chores!

Olha por dentro a latitude inexplorada.
Desafia este rio, afaga esta lava...
Que os homens trazem, mas tardam
No incompleto projecto...
Fraterno,
Eterno.

Não ores!


Ana



quinta-feira, 28 de abril de 2016

Os outros...




José Alves

A Primavera voltou, inexorável, ao meu jardim. 


José Alves

Na distância, a planície estende-se em ondas de amarelos asiáticos imperiais. 


José Alves

Passou mais de um ano após a tua partida súbita. Disseras que as glicínias estavam melhor podadas que nunca...era verdade. Neste ano tornaram a florir, belíssimas nos seus velhos troncos. 


José Alves

Também amo assim as flores, a Natureza em geral e, muito em particular, a humana. Não importa que os dias me cansem, me devorem cada hora num interminável labor. 


José Alves


E, agora, o Rara Avis  quase se silencia de duas em duas semanas. Pesado é o silêncio. O meu serviço são os outros. 

Ana




terça-feira, 26 de abril de 2016

Impressões...

H. Gengönul, Grécia

Helénicas escravas
Titubeantes
Velhas inertes...
Azedas eslavas
Arrogantes
Velhas inertes...
Esbeltas adriáticas
Pavoneantes 
Velhas inertes...
Enigmáticas chinesas
Equidistantes
Velhas inertes...
Vãs portuguesas
Titubeantes
Em suas certezas...


Ana


*Velhas portas ou velhas às portas?

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Com mãos se faz a paz se faz a guerra


Arte rupestre, Patagónia



Com mãos se faz a paz se faz a guerra
Com mãos tudo se faz e se desfaz
Com mãos se faz o poema ─ e são de terra.
Com mãos se faz a guerra ─ e são a paz.


Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedra estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.



Manuel Alegre
O Canto e as Armas
Europa-América
1979



terça-feira, 19 de abril de 2016

Pássaros diurnos

Dürer, Paisagem

Há, depois, este brilho
Feito trilho na alvorada.
Abruptos silêncios despertam
Sobre a erva orvalhada...
Onde se escrevem, se libertam,
Pássaros diurnos, em rastilho
Da fraternidade incendiada!

Ana


domingo, 17 de abril de 2016

Partir

Viajes.com, Peloponeso


Terei que ir. Enche-me essa urgência da partida. Ao longe, penso Thera, onde o destino já me levou, e sonho Esparta olhando o rio Eurotas. Conheces o Eurotas? É a Lacónia que o vê correr...não sei se nele se banharam velhos soldados de uma batalha qualquer. No silêncio inaudito desta parte do Peloponeso, pacifista e desiludida com as novas barbáries, olho e penso. Pensar foi sempre o meu maior desígnio, mesmo na consciência dolorosa desse acto.


Leo von Klenze, Akropolis

Anda, olharemos de frente a Acrópole, na próxima Atenas. Deixemos a península. De penínsulas somos conhecedores. Anda comigo reconstruir o Partenon, desenhá-lo na sua realidade etérea e justa. Temos este amor Antigo, sem idades do meio e sem treva. Procuraremos a claridade, o Sul do Sul...aí aninharemos as serenas cores da vida, aí desvendaremos se ainda é possível a Humanidade.


C. Aguilar, Grécia

Ana