Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Anda

José Alves


Anda
que te trago rosas
num dia quieto
de Maio

Anda
que a luz fulmina
sombras odiosas
de outro Maio

Anda
humano ser inquieto
voz clara que ilumina
este Maio


Ana



segunda-feira, 28 de abril de 2014

Aloja a esperança




Vinicio Castillo

Aloja a esperança
Nas margens da angústia

Que nos limites
Do silêncio dança
Uma fúria íntima
Rebelde e ínfima

Mansa angústia dança
Que o limite te cansa

Aloja a esperança


Ana


domingo, 27 de abril de 2014

Espaço interior

Florença - José Alves

quando o poema 
são restos do naufrágio 
do espaço interior 
numa furtiva luz 
desesperada, 

resvalando até 
à superfície, 
lisa, firme, compacta, 
das coisas que todos 
os dias agarramos, 

quando 
o poema as envolve 
numa aura verbal 
e se incorpora nelas, 
ou são elas a impor-lhe 

a sua metafísica 
e o espaço exterior 
que povoam de 
temporalidades eriçadas, 
luzes cruas, sons ínfimos, poeiras. 

Vasco Graça Moura, in Antologia dos Sessenta Anos
(Duas coisas me uniram a V. Graça Moura: o interesse pelo Renascimento e a profunda discordância na aplicação forçada de um AO que destrói a Língua e a sua evolução histórica. Que descanse em paz!)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Pátria



José Alves, Monsaraz

Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Do longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro

Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.



Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Entre o medo e o sonho

José Alves, 2014
Entre o medo e sonho caminhámos um dia.

José Alves, Rio Lima - 2014
Atravessámos rios, cruzámos montanhas.

José Alves, Peneda - 2014
Seguimos em frente, passámos incólumes.

José Alves, Minho - 2014
Bebemos nas fontes, chegámos inteiros!


Ana


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Passar, libertar e ressurgir

Tide of Life, Vladimir Kush

«Eles não mudaram o seu nome»


Tresure island, V. Kush

«Não mudaram a sua Língua»


Above the world, V. Kush


«Não revelaram os seus segredos»


Vita memoriae, V. Kush

«E não aboliram o Brit Milá»

Midrash Sohar Tov, 114




quinta-feira, 17 de abril de 2014

Obrigada, Isa Lisboa!

















O Rara Avis recebeu do Instantâneos a preto e branco um prémio! 
Venho aqui partilhá-lo com todos os meus amigos e leitores. Sinto-me incapaz de seleccionar...sei que, mais uma vez, estou a quebrar as regras, mas aqui reforço o agradecimento à Isa, uma doçura de menina muito talentosa.


Calou-se o Criador...


IN MEMORIAM

(Edito um «post» do Verão de 2012)

Saramago com García Marquez

A minha vida é uma história feita de livros. Meio-dia quente de assar pássaros que ousem esvoaçar com bater de asas ruidoso. Sala de móveis altos e escuros, cheios de gavetões com memória e de roupas de linho aromatizadas. Chão de frias tijoleiras vagamente marcadas pelo caminhar de antepassados. Ninguém baterá a mão fechada de ferro enegrecido, pois todos dormem, ou melhor, descansam - como gostam de designar a sesta. Nunca fui de sestas. Abro livros e livros, leio com teimosia autores e autores. Faço-o ainda agora, noutra casa, porque todos se foram para algum lugar e o vulto negro da avó também partiu há muito.
Gosto de autores sul americanos e de poetas clássicos. Mistura das minhas muitas bastardias. 
Foi com uma amargura fina que ouvi o anúncio de que Miguel García Marquez está a ser atingido pela demência e não escreverá, por certo, a segunda parte da sua obra anunciada. Não é o meu autor predilecto. Prefiro Cortazar ou J. L. Borges, porque um certo tom libidinoso e um retrato de mulher pouco considerada se colou a García Marquez. Porém, mais uma voz se cala e o mundo a que pertenço ameaça ruir. 
Em tempos quando o autor adoeceu, fizeram correr em seu nome a poesia que vos deixo hoje - é bela. Quem a escreveu conhecia o Autor, mas esqueceu-se que Deus não estava nos seus planos e que O trocaria, facilmente, por um trecho musical de Serrat.
 

La Marioneta de Trapos

Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou uma marioneta de trapo,
e me presenteasse um pedaço de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas definitivamente pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
senão pelo que significam.
Dormiria pouco e sonharia mais,
entendo que por cada minuto que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detêm,
despertaria quando os demais dormem,
escutaria enquanto os demais falam, e como
desfrutaria de um bom sorvete de chocolate...

Se Deus me obsequiasse um pedaço de vida,
me vestiria com simplicidade,
me atiraria de bruços ao sol,
deixando descoberto, não somente meu corpo,
mas também minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração....
Escreveria meu ódio sobre o gelo,
e esperaria que saísse o sol.

Pintaria com un sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,

que ofereceria à lua.
Regaria con minhas lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...

Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida...
Não deixaria passar um só dia
sem dizer à gente que quero, que a quero.
Convenceria a cada mulher e homem
de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor.

Aos homens provaria quão equivocados estão ao pensar
que deixam de enamorar-se quando envelhecem,
sem saber que envelhecem
quando deixam de se enamorar.
A uma criança daria asas, mas deixaria
que ela aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos, a meus velhos, ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.

Tantas coisas aprendi de vocês, homens....
Aprendi que o mundo todo quer viver no alto da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade está
na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido
aperta com seu pequeno polegar pela primeira
vez o dedo de seu pai,
o tem amarrado para sempre.

Aprendido que um homem unicamente tem direito de olhar
outro homem de cima para baixo,
quando o tiver ajudado a se levantar.

São tantas coisas as que pude aprender de vocês,
mas finalmente de muito não haverão de servir
porque quando me guardem dentro desta maleta,
infelizmente estaria morrendo....

De autor anónimo - Atribuído a García Marquez

Fonte: http://www.elsonfroes.com.br/neumanne.htm (8/07/12)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Diz-me...

Ángel Botello Barros


Diz-me que a escola acabou e que a professora nos marcou muitos deveres de casa que eu, de empreitada, os farei num só dia para poder andar em correrias pela aldeia, sulcando ruas brancas de empedrado onde escorrego e caio. Dizem-me que hei-de partir os dentes, pois sou uma cabrita. Só não sabem que também corro pelos campos contíguos sorvendo a brisa adocicada do manto amarelo dos tremoceiros. Só não sabem que, num ímpeto, escorrego pelo viaduto e que como as flores doces dos marmeleiros. Só não sabem que correr assim pela planura me molda asas livres de menina e me esculpe o espírito. 
Dizes-me que sou uma rapazona, mas como? Mas como, se o gato se anicha confiante no meu regaço, confiante na minha meiguice?
Diz-me que o tempo não passou e que todos estão ainda lá e que este aperto que sinto quando o dia declina é apenas a ânsia de correr livre pelos campos em redor...

Ana

domingo, 6 de abril de 2014

Res, rei

Picabia


Quero ver a vida como hoje,
como ela realmente nasceu!
Feita de bruma que foge,
num coração que não é meu.

Ver na claridade a penumbra,
pois a luz do mundo é baça
e a sombra que o sol traça
mostra-nos vida louca e rotunda!

Ana

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Sofre?

 Alexander Sergeev

(Encontrei este velho texto na capa de um manual de Matemática e não resisto a guardá-lo aqui. Era dedicado à minha querida professora, Dr.ª Maria Olímpia de Vilhena Rodrigues - irmã do célebre desenhador humorista e satírico Vilhena. Menina educada na mais rigorosa tradição alentejana, eu nunca vira um desenho de José Vilhena. Teria uns quinze anos e adorava Matemática. Nesse tempo os alunos respeitavam os professores, mas o país não respeitava os humoristas, especialmente aqueles que o retratavam na sua sordidez beata e labrega).


Que enigma, que mistério a envolve?
Que sibilino e sorumbático olhar possui.
Oh! E essa paciência que tudo resolve!
De que misterioso dom usufrui?
Às vezes, por mera observação,
Julgo perceber em seu olhar dor...
Será utopia, será divagação?
Poderá haver Primavera sem flor?


Ana (14/04/1973)