Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Projecto Constante

António Pedro - surrealista português


Sim...eu desejo o poema!
Essa viagem sem regresso,
Esse processo sem lei e sem pena.
Desejo o teu sonho
Preso às veias do meu sentir
E se, de súbito, tristonho
O teu olhar o admitir...
Desejarei o silêncio profundo
Onde vogo e me afundo!
Onde descubro a tua verdade
E me perturbo...
Quero o anseio do teu percurso
A transbordar de veleidade...
E, pueril, sem recurso,
Apelar, desejar, protestar
Contra a mentira da tua verdade!
Projecto...constante!
Divagante...protesto.

Ana

sábado, 27 de novembro de 2010

Assistir

Vladimir Kush (pintor surrealista russo)


Vejo aqueles que vão morrer,
Incautos e tranquilos divagar,
Perto da criança que irá nascer
E os seguirá, insegura ao caminhar!

A velhice mal assumida disfarçar
Secretos receios, sonhos de permanecer
E o profeta da morte, às escuras, chorar
Um tempo eterno, para viver...

Vejo o que não acontecerá jamais:
Crianças livres dos conceitos da razão,
Nascendo sem as culpas originais...
Filhas-semelhantes do Deus-perfeição.

O Supremo-Amor com o Supremo-perdão
Encerrando os domínios infernais...
E os homens elevados à perfeição
Dos quentes azuis e fogos iniciais!


 Ana

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A Verdade

Brasil: Confrontos nas favelas transmitidos em directo nos canais televisivos. Diário de Notícias

Balanço de ataques criminosos no Rio de Janeiro indica 27 mortos e 46 veículos queimados.

  Agência Lusa , 25 de Novembro de 2010



A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão,
sua miopia
.


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

The dreamers

Reuters
Manifestações nas ruas e confrontos com a polícia, após anúncio de recurso ao FMI.


*****

Estadão
Novos pobres, no Japão, recorrem a ajuda alimentar.

*****

EUA
Desempregados vivem em cidades de tendas na Califórnia.
*****

Giotto, O Sonho de Joaquim



Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão
In Movimento Perpétuo, 1956

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

OBJECTIVOS INDIVIDUAIS

Belmonte
1. Sonhar se ainda for permitido.

Belmonte

2. Olhar em frente até ao limiar.

Belmonte
3. Sorrir se não for proibido.

Belmonte

4. Ficar por aqui e não desanimar.


Belmonte
5. Regressar ao futuro, sem caminhar.

                                                           Ana

Fotografias: José Alves


sábado, 13 de novembro de 2010

Protegida

Belmonte, José Alves
NOTA PRÉVIA PARA OS MAIS INCAUTOS: não há coincidência entre o real aparente e o imaginário. As minhas palavras não são autobiográficas e não se destinam a ninguém. São palavras e eu gosto de as juntar. Talvez nasçam de algum dia cansativo de trabalho, do voo de  uma ave, da luz do amanhecer, de alguma fugitiva nostalgia...
Poderia dissertar sobre teorias literárias, mas este não é o meu espaço de trabalho e não considero plenamente literário aquilo que escrevo. Assim me sinto desculpada.
Preciso desta nota, para responder a algumas pessoas que me têm questionado sobre o assunto.



Não devia, sem dar, fazer nascer o repartir,
Não devia vir onde me afasta o meu ir...
Este encontro nascido do regresso,
Esta alma nua a virar almas do avesso!

Não queria ser suave e ser ferro;
Não poderia ser o gérmen do erro.
Não queria fazer vergar se estou a vacilar,
Não podia partir no meu sentido ficar!

Meu Deus, isto que lanço, isto que invento,
Isto que é um aproximar, um pressentir,
Jamais veio de mim ou do meu intento!

Senhor, por que sou um não sei quê que faz sentir
Um desencontro de protegida dormindo ao relento?
Por que sou a perturbação de quem me pede p'ra sorrir?


 Ana

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Eco I

Rafal Olbinski
Andei pelo Voz das Palavras. Por aqui deixo o ECO I:



Caminho no silêncio luminoso e frio deste dia. A vereda de terra batida esgueira-se veloz à minha frente e afunila na distância. Conto os passos. Serão dez mil, feitos de sonhos de mil e um dias já vividos. Em tempos fui atleta, hoje serei, talvez, asceta. Convém sê-lo nestes dias cinzentos sobre os quais jorram gotas de desencanto. Não me asfaltem as ideias! Quero a areia que desliza, suave, na resiliência dos sonhos. 
Ao longe, no dealbar, suspenderam-se  os castelos. Resta-nos um caminho, quem sabe se de regresso?
Caminho sem motivos para um poema que escavo num recanto longínquo. Poetas persas, do século X, habitam-me a memória. Tombaram, em ruína, tantos impérios! Mas Rudaki ainda me inspira a melodia dos passos sem rumo: «Talvez o tempo te ponha na sua escola pois não terás melhor professor que ele».  
Na juventude, li furiosamente os poetas persas pré-islâmicos. Com eles aprendi a caminhar, deslizando sobre areias movediças de tempos inglórios. Talvez ainda seja o tempo sem rupturas, talvez possamos cativar sem grilhões...
Caminho e penso palavras alheias que por aqui espalho, humildemente:

 ***
Alegra-te do que tens conseguido
e não recordes o passado.
Para mim aquele encaracolado e perfumado cabelo,
para mim aquela cara de lua que é de raça de anjos.
Afortunado é o que utiliza e obsequeia,
desafortunado o que não utiliza e nem oferenda.
Este mundo de anseio é como o vento e a nuvem,
acerca o vinho, passe o que passe!


(Rudaki)

Ana

sábado, 6 de novembro de 2010

Descobertas

Belmonte


Existem lugares assim: repletos de memória, desenhados na beleza pura de encontros antigos. Neles se inscrevem os sonhos de tempos idos. Percorrê-los é reencontrar. A beleza cava silêncios. As palavras estagnam. O indizível instala-se. Sacraliza-se o momento.  


Belmonte


Por aí nasceu Pedro Álvares Cabral, seria 1467. Os sonhos de um menino escrevem-se na pedra dura das montanhas em redor. Olhou-as e partiu e fez-se nau de Descobertas. Descobriu. À luz transparente deste dia a contradição ainda se renova. A Índia dos sonhos de marajás ainda é lugar de desencontros.
Os evangelizadores já retornaram. A fé dos homens, a fé nos homens...colonizadores impiedosos enchem as naus do desespero.

Belmonte
Cum ad nihil magis, escreveu o sacerdote supremo para o rei D. Manuel I e um édito gelado varreu o ar limpo da montanha. Esconderam-se os sábios. Ocultou-se a sabedoria milenar. A fé dos homens, a fé nos homens... inquisidores e proselitas percorrem as ruas desertas.
Belmonte

A magia perdura. O lugar encanta. O Atlântico abraçou-se para sempre a partir deste sítio remoto, belo e tolerante.

                                                                                     Ana

Pedro Álvares Cabral -
(Belmonte, 1467 ou 1468 — Santarém, 1520 ou 1526)
«Na História das Navegações portuguesas, Pedro Álvares Cabral tem porém lugar de destaque, como Descobridor do Brasil, comandante da maior frota até então armada por Portugal para as viagens oceânicas, e iniciador da Carreira da Índia como rota regular e líder da primeira expedição naval que ligou quatro continentes: Europa,  América, África e Ásia».( Fonte: Instituto Camões - R. Pinto)



Fotografias: José Alves

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sefarad - Raízes


Por estes dias vale a pena perder-mo-nos  pela Serra da Estrela e tornearmos a Gardunha para nos reencontrar-mos com a nossa matriz cultural. 
No meu caso, a escolha recaiu sobre Belmonte e a memória da velha língua ladina ainda ecoa pela encostas das serranias:

A la Una
A la una yo naci
A las dos m’engrandeci
A las tres tomi amante
A las cuatro me cazi
Alma vida y corason.
Dime nina donde vienes
Que te quero conocer;
Si tu no tienes amante
Yo te hare defender
Alma vida y corason.
Yendome para la guerra
Dos bezos al aire di
El uno es para mi madre
Y el otro para ti.
Alma vida y corason.
cantiga tradicional (cerca do séc. XV) em Ladino, a língua franca dos judeus ibéricos.

http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/Ladino.html

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Uma mulher exemplar

Esfera dos Livros
«Sinopse:

A história judaica tem mulheres extraordinárias. Da matriarca Sara à sionista Golda Meir, muitas mulheres judias fizeram história. Grácia Nasi foi uma delas. Com um carácter intocável e uma personalidade de ferro moldada pelas agruras da vida, esta mulher não teve medo de desafiar homens, papas, reis e o seu próprio destino. 
Nasceu em 1510 em Portugal depois de a sua família ter sido perseguida e expulsa de Espanha. Contudo não seria em Lisboa que encontraria a tranquilidade desejada. 
Viúva aos 25 anos, herdeira de um império comercial e de uma incalculável riqueza cobiçada por todos, Grácia Nasi torna-se numa verdadeira mulher de negócios, assumindo o seu espírito pioneiro e empreendedor, traço marcante dos sefarditas judeus/cristãos novos. 
Grácia Nasi percorre o mapa da Europa, passando por cidades como Antuérpia e Veneza, até chegar ao Império Otomano, onde finalmente pode praticar a sua fé às claras, sem recear qualquer perseguição. É aí que se dedica a ajudar os seus correlegionários a escapar à Inquisição, apoia o estudo e o ensino religiosos, bem como a edição de Bíblias e estende a mão aos mais necessitados.»
http://www.outofspain.com/DGhead.jpg
 1500 - 2010
500 anos do seu nascimento