Luís Ponte |
CML - Avenida da Liberdade
A sala é rectangular, repleta de uma luz plena de meio dia.
Duas portas - janelas abrem-se sobre as copas de árvores. Só vejo verde escuro de jacarandás sem flor. A cor marfim das paredes é suave e os quadros têm um bom gosto asséptico.
As cadeiras em volta de uma mesa baixa ficam longe demais das revistas usadas. Ninguém arrisca levantar-se para agarrar numa. Do meu lado direito, a mulher jovem telefona compulsivamente. O castanho mel dos seus olhos repousa num leito levemente avermelhado. Chorou há pouco, talvez. Do meu lado esquerdo um casal, acima dos sessenta, aperta uma pasta de exames e pergunta pelo médico de serviço. O veredicto deve ser rápido, solicita o homem habituado a controlar as situações e a proteger a mulher magra. É o único homem. Outras mulheres que vestem castanhos diversos. A quase adolescente meneia a cabeça ao som do mp3 que lhe entra no cérebro e disfarça, com um olhar negro e triste, o facto de estar naquele lugar de mulheres. Ela tem o problema, penso com melancolia.
A esta hora José come castanhas fumegantes, fuma ou talvez vaguei na loja dos museus, ali aos Restauradores. Quero sempre ficar sozinha, mas tenho um medo irracional de felino aprisionado.
Aqui, Avenida da Liberdade. Prédio velho, mas belo...quase familiar. Sem poesia. O corpo, agora nu, esmiuçado pela máquina digital. O corpo, frágil máquina em revisão.
Fico tonta. As salas são labirintos entre corredores estreitos e eu só sei de lugares abertos que não me aprisionem.
Agora vestido, o corpo é, outra vez, eu!
Desço as escadas, a luz atordoa-me. José está ali. Vamos! Quero ir.
O corpo frágil, ágil, vai.
Ana