Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Círculo Eterno

Remedios Varo



De punho erguido
ao sol eu caminhei
entre baionetas
da traição e do terror,
semeei em campos
o que era a dor
e das cinzas fiz um berço
que embalei.
Com uma foice
a ternura arranquei
de um pé de trigo
que o vento transportou
para uma mó
onde o velho bruxo desenhou
o círculo eterno das estrelas feito lei.
No velho monte
ouço o som de uma bigorna.
Mil espadas cravam esta brisa morna
que me atormenta o corpo,
que me seca a alma.
Ah! Planície,
onde tens os olhos?
Onde mora a raiva
que ceifaste aos molhos?
*
Só no céu a lua
dorme doce e calma!



terça-feira, 29 de junho de 2010

Foi a História...Adeus!

Olivença - calçada portuguesa ( Wikimedia)


Portugal - 0




Olivença - manuelino português ( Wikimedia)

Espanha- 1



Olivença - Wikimedia



«Olivença (em castelhano Olivenza) é uma cidade e um município numa zona fronteiriça cuja definição é objecto de litígio entre Portugal e Espanha, reivindicada de jure por ambos os países e administrada de facto como parte integrante da comunidade autónoma da Extremadura.

Apesar do desentendimento entre Portugal e Espanha sobre a Questão de Olivença, o tema não tem provocado atrito nas relações entre os dois países ibéricos. Olivença e os municípios raianos espanhóis de La Codosera, Alburquerque e Badajoz e portugueses de Arronches, Campo Maior, Estremoz, Portalegre e Elvas chegaram a um acordo em 2008 com vista à criação de uma euro-região.»

Wikipédia

segunda-feira, 28 de junho de 2010

mega agrupamentos de escolas

G. - P. Seurat


O poder é efémero, a hipocrisia constante.



quarta-feira, 23 de junho de 2010

Com o Sol pelas costas

fonte: EB1 - Nisa


Corro com o sol pelas costas. Um pacote de exames no banco traseiro leva-me aos medos da infância. Tesouro inviolável e anónimo. Vidas que esperam. O sol espraia-se num mar de miragens e a estrada liquefeita brilha na paisagem.
Ondas de pastagens douradas iludem os incautos. A estrada corre veloz. Viajo num casulo frio, feito nave, que paira sobre o dourado e árvores correm solidárias ao meu lado. Sinto solidão. Esta bolha fria envolve-me, condicionada, e sei que as árvores dançam atordoadas pelo calor intenso do meio dia perfumado pelo cheiro, doce, das estevas.
No banco traseiro, Pessoa e Lobo Antunes acompanham Fernão Lopes, num diálogo estranho de séculos. Teste do que somos.




Portal alentejano


Branco disperso acende-se de luz vibrante e eu sei do aconchego sombrio e fresco desses lares ascetas. Cheiros íntimos do pão, química serena do trabalhar do leite que se transforma...cardo, destes campos amadurecidos, que fermenta e coalha. Vida simples que sei como viver sem a ter e que, neste frio asséptico em que viajo, sonho num lugar de ouro sobre a planície.
Casario brilhante que sorri quando passo, acolhedor e sereno na sua severidade pura.


visitPortugal


Voltarei com o sol a incendiar a paisagem. Ocaso de longos dias. Trabalho infindável na dureza extensa e vária de tarefas desiguais. Porém, sou livre nestes lugares que me aprisionam e me silenciam.
Angústia perene de humanidade, ciclos da terra ancestral, árida e quente.
No banco de trás, «Ela canta pobre ceifeira» ganhou há muito à «Praia das Maçãs» húmida e fria da infância de Lobo Antunes e o teste não será nunca a burocracia que inventaste para que o corrija gelada e imparcial sob este calor tórrido da minha terra transtagana.
Examinar-te-ei com a humanidade humilde deste sol que me abrasa, porque a vastidão, há muito, me reduziu à minha dimensão e me ensinou o rigor inflexível dos dias incendiados.




Guadiana on-line



Voltarei com o sol a incendiar a planície.


Ana






domingo, 20 de junho de 2010

Exame


«A vida é breve, a arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganosa, o julgamento difícil.» Hipócrates

***


(Amanhã...exame nacional de Literatura Portuguesa.)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

CONTRA A HIPOCRISIA PÓSTUMA (1922 - 2010)


(terra natal de José de Sousa Saramago)


Intimidade

No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.



José Saramago





(Ilha de Lanzarote, Canárias - leito de morte: 2010)


Não me Peçam Razões...

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago

terça-feira, 15 de junho de 2010

Desafio da Via

Recebi este desafio-entrevista de O Guizo do Gato e considerei que deveria responder ao questionário, sem quebrar essa ânsia de saber que, por vezes, assola os «blogues».

1. Porque é que criou um blogue e, quando o criou, tinha expectativas de que fosse popular?

Criei este blogue por um motivo muito prosaico: trabalho. Dito assim até aborrece, mas foi a verdade.
Em 2007 criei um blogue experimental intitulado Sul Sereno e de tudo só gostava do título. Nesse tempo eram os alvores do Plano Nacional de Leitura e eu tive necessidade de divulgar em blogue o PNL da minha Escola. Assim, arranjei um blogue - experiência. Eliminei o Sul Sereno
quando senti que dominava razoavelmente as funcionalidades do Blogger. Mas tinham nascido alguns amigos e para mim a AMIZADE é o mais importante dos afectos humanos. Acabei por abrir o blogue, como não pude recuperar o título ...nasceu RARA AVIS.
Nunca quis ser popular. Sou uma criatura felina e recatada. Há quem me diga que sou viciada em trabalho e que sou um pouco autoritária. Estereótipos...
Preciso, até, de algum isolamento para me centrar e organizar. Mais de duas cores juntas ferem-me o olhar. Palavras a mais são verborreia. Há demasiado ruído e pouca acção.
Escrevo, mas não sou escritora - menos, ainda, poetisa. Precisei chegar a meio século de vida para ter coragem de expor algum pensamento intimista.
O meu tempo é tão escasso que com grande dificuldade visito e comento os amigos.
Penso por palavras, gosto de palavras. Com elas construímos laços.
O bom dos blogues é que nem sequer precisamos dos rostos para conhecermos o Outro.


2. Em que data exacta iniciou o blogue?

Em Fevereiro de 2008. Primeiro com o nome Anna, mas depressa deixei cair a máscara. Alguns dos meus alunos descobriram-me, surpreenderam-se, visitam-me e seguem-me...são aprendizes, são adolescentes almas abertas! Começam assim. Depois serão mestres, autores sérios como o meu querido aluno de outrora - José Luís Peixoto. Goste-se ou não.

Desculpem-me meus amigos maiores e fiéis, mas hoje
vai para eles a nomeação, com carinho (amanhã começam os exames
).

3. Nomeie cinco seguidores leais.

http://algumaveztementi.blogspot.com/


http://eufemis-mos.blogspot.com/

http://iwillbewatchingyou.blogspot.com/

http://washmyteeths.blogspot.com/

http://sereufobia.blogspot.com/




(*escolhi os mais recentemente actualizados, desculpem-me os outros...carinho igual!)




sábado, 12 de junho de 2010

Quem sois?

Salvatore Rosa (1615 - 1673)


Não fui eu quem rasgou
Os seios de Pandora,
Porque me perguntais, então,
Pela madrugada?
Não fui eu quem criou
O átomo,
Porque me perguntais, então,
Por Nagasaki e Hiroxima?
Não fui eu quem criou
Deus,
Porque me perguntais, então,
Pelo Diabo?
- Quem és, então? - perguntais vós.
...
Sentado no chão,
Sonhando ao longe a planície,
Pergunto eu:
- E, vós, quem sois?



quinta-feira, 10 de junho de 2010

Portugal

(Sugestão de Leitura)


« E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes. Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos. Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da a metade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra metade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos Reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho. (...) Em nenhuns Reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os Reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles, foi impossível, que nenhum rei pôde acomodar, nem com facilidade, nem com felicidade jamais. Mais fácil era antigamente conquistar dez reinos na Índia, que repartir duas comendas em Portugal. Isto foi, e isto há-de ser sempre: e esta, na minha opinião, é a maior dificuldade que tem o governo do nosso reino. »

Padre António Vieira
Sermão da Primeira Oitava da Páscoa / Pregado na Matriz da cidade de Belém do Grão-Pará, 1656

terça-feira, 8 de junho de 2010

Apelo Final



Louis Toffoli, Istambul




Alucina-me a pressa
Mas quero ir...
Passar a teu lado
E sem ver...correr!
Ir...
Onde o sonho me leva.
Ir...
Relâmpago e treva!

Alucina-me a pressa,
Perdi-te ao passar.
Vem...
Recolhidamente meditar.
Vem...
Devagar para morrer
Onde o sonho é transformado.
Vem...
Renascer!

Ana

sábado, 5 de junho de 2010

Lugar do ouro


Félix Valloton, 1922


A manhã em lágrimas lavada
Lamenta em silêncio dardejante
O último eco do sofrimento.
A Humanidade agarrou o Nada
Debaixo de um frémito retumbante,
Dentro do último lamento...

Surgia do fogo um bafo gélido,
Corrompia docemente o conceito;
Tinha um estranho preceito
De espalhar seu sorriso pérfido
No Tudo que nascia em seus braços,
No odor estranho de seus passos.

E nasceu com gemidos moribundos,
Perdido no último abraço da Fé...
Social, socialis: seus gostos, seus mundos!
Mundo: sorriso elástico e indeciso,
Verbo defectivo terminado em «é».
Ideal de nevoeiro, vacilante, impreciso.

Caminho aberto em escadas,
Rosas perdendo pétalas nas sacadas.
Sorriso - ironia, censura banal...
Ideal tornado cinzento e trivial.
O Outro: o outro era sempre o Nada!
Profundo encontro na verdade enlameada.

O Outro: voz cava perdida no gesto,
Agredida a verdade, mentira em manifesto.
O Outro é o sorriso que desfeito em massa,
Amálgama de um tempo que passa...
Dentro do sol a Verdade não escurece;
Dentro da vida o gesto fútil arrefece!


Ana

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ferreira Gullar - prémio Camões 2010

José Alves/Junho - 2010



Homem Comum

Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.

Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei
bandejas bandeiras bananeiras
tudo
misturado
essa lenha perfumada
que se acende
e me faz caminhar
Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
Quero, por isso, falar com você,
de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe o meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
Homem comum, igual
a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio
mancha a paisagem
turva as águas do mar
e a infância nos volta
à boca, amarga,
suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens
comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas.

(Brasília, 1963)

Depois de Torga, o prémio Camões para Gullar


«O poeta e dramaturgo brasileiro Ferreira Gullar é, desde ontem, o mais recente Prémio Camões. O anúncio foi feito pela ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, na presença dos membros do júri, e volta a galardoar a poesia como já acontecera em 1989 com Miguel Torga, o primeiro distinguido.

O autor brasileiro desconhecia a escolha do seu nome à hora de fecho desta edição, mas a sua obra não é totalmente ignorada em Portugal, onde a recém-falida editora Quási publicou a Obra Poética Completa de Ferreira Gullar, além de um livro infantil.

Nascido José Ribamar Ferreira, a 10 de Setembro de 1930, na capital do Estado brasileiro do Maranhão, o quarto de onze filhos tem uma carreira literária e de intervenção social e política que destoa devido à sua intensidade da maioria dos já premiados.

Ainda há meses, Ferreira Gullar voltara a usar o seu site para inscrever críticas ao Governo devido à alteração dos internamentos psiquiátricos. Escrevia: "Depois de algum tempo calado, volto a resmungar. Este primeiro resmungo vem a propósito de um problema muito grave que denunciei não faz muito tempo (...)." No mesmo local já colocara outras notas de contestação, mas também sobre a sua arte, a criação literária. Ferreira Gullar foi sempre radical na sua obra e posicionamento político, situação que o levou a ter um importante papel nos movimentos concreto e neo-concreto. Em 1961, no entanto, abandonou esta vanguarda artística para se entregar na arte militante do Centro Popular de Cultura, uma organização da poderosa União Nacional de estudantes que liderou muitas das lutas estudantis sob o regime militar. A primeira encomenda que lhe é feita por Oduvaldo Vianna Filho trata a reforma agrária, é escrita ao estilo da literatura de cordel (género típico nordestino) e intitula-se João Boa Morte, Cabra Marcado para Morrer.

Mesmo com as restrições impostas pelo golpe militar, em 1964, Gullar manter-se-á bastante activo e, a quatro mãos, publicará em 1966 a premiada peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come; em 67, a peça "A saída? Onde está a saída? e em 68, Dr. Getúlio, sua vida e sua glória". Com o Acto Institucional n.º 5, é preso e em 1970 entrará na clandestinidade.

O exílio será o passo seguinte, partindo para Moscovo, Santiago do Chile, Lima e Buenos Aires até ser absolvido e poder regressar. Em 2009, foi considerado uma das cem mais influentes personalidades do Brasil. Ou seja, um "resmungão" social e intelectualmente activo.

O júri do Prémio Camões é presidido por Helena Buescu e composto por Seabra Pereira, Inocência Mata, Luís Carlos Patraquim, António Carlos Secchin e a escritora Edla van Steen. Ferreira Gullar sucede ao escritor cabo-verdiano Arménio Vieira, em 2009, ao brasileiro João Ubaldo Ribeiro, 2008, e António Lobo Antunes, em 2007. O prémio foi criado pelos governos de Portugal e do Brasil em 1989 e é considerado o de maior prestígio da língua portuguesa.»,

Diário de Notícias