Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ferreira Gullar - prémio Camões 2010

José Alves/Junho - 2010



Homem Comum

Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.

Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei
bandejas bandeiras bananeiras
tudo
misturado
essa lenha perfumada
que se acende
e me faz caminhar
Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
Quero, por isso, falar com você,
de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe o meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
Homem comum, igual
a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio
mancha a paisagem
turva as águas do mar
e a infância nos volta
à boca, amarga,
suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens
comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas.

(Brasília, 1963)

9 comentários:

ADRIANO NUNES disse...

Ana,


Brilhante! Grato!


Forte abraço,
Adriano Nunes.

Georgio Rios disse...

Um grand poeta, que qunado nem imagina va em escrever ele já me apresenatava muito da mágica poetica.

Muito merecido!!!

Gerana Damulakis disse...

Foi merecido.

Anónimo disse...

Não o conhecia, mas só por este poema, já vejo que foi mais do que merecido.
Não sei como ainda existe quem critique a poesia, dizendo que não serve para nada. Basta olhar para esta e para outras tantas, para ver "claramente visto" que para além de beleza estrutural e semântica, há um oceano de verdades rimadas incontestáveis.

Gostei muito.
Beijinhos e obrigada!!

ps: Profª de Literatura? Que delícia! Morro de saudades destas aulas :')

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
O poema aqui evidenciado é muito belo, principalmente os dois últimos versos:
"podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho
margaridas".
Esqueci de dizer quanto bonito é o teu "banner".
Bom fim de semana, amiga.
Beijinhos.
Isabel

Andradarte disse...

Começo por dizer.....Linda foto...
Quanto ao poema...gostei no geral,
no conteúdo, achei muito profundo....
se me compreende amiga Ana.
A verdade é que foi premiado...
Abraço

AFRICA EM POESIA disse...

Bonitas flores

Bonito poema

vou voltar


Um beijo

vieira calado disse...

Olá, amiga!

Só agora começo a conhecer o poeta,

através de blogs.

Obrigado por esta amostra.

Bom fim de semana

Anónimo disse...

Conheço sim. Não muito, mas conheço.
Em Literatura, lemos um livro dele " Aparição" . Muito bom! Eu adorei :)

beijos!