Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

domingo, 31 de maio de 2020

Trovoadas

Foto: Radio Campanário - maio 2020

Na inconstância dos dias, a beleza agreste da planície desperta-nos como o murmúrio de uma nascente adormecida. Aulas a fio, feitas à distância, por processos inimagináveis e aqueles outros jovens assustados que sorriem vagamente, na lonjura de três metros. São dez de cada vez, em turnos sucessivos. O auditório imenso, o palco, a sombra e aquela voz, que é a minha, soando estranha por detrás da máscara. Onde estão os sorrisos? Quem são estes meninos que não conheço, perfilados e quietos? Que lhes reservará o Futuro? Lemos Saramago que, suspeito, eles não leram. A frieza dos rostos inexpressivos drapeados a azul clínico, neste dia de quarenta graus.
Trovoadas diárias despertam os meus medos ancestrais. Sou o felino que se esgueira no mato verde da charneca.Tenho medo e quero ver. Gosto de olhar o pavor de frente. Assim, ele se esfuma e que «Os raios não nos partam!». Quero a liberdade plana do meu chão.

Ana

sexta-feira, 29 de maio de 2020

As Não-Notícias...

Gonçalo Ribeiro Telles não morreu

Ao contrário do que foi escrito pelo Observador, Gonçalo Ribeiro Telles não morreu. O equívoco surgiu de um contacto com um amigo próximo do arquitecto. As nossas desculpas ao próprio e à família.(Observador).


Encontrado corpo de jovem 
que morreu
 afogado a tentar homem no Alvor
(Jornal i)


Os concelhos mais afetados encontram-se nos subúrbios da cidade de Lisboa. Há um conjunto de focos dispersos pela a região que fazem subir o número global de contágios. (Observador)



Médio Oriente - José Alves - 2019


O meu tempo foge, como alguns @migos sabem de há muito. Quando O Sul Sereno se cala o meu quotidiano agita-se, num movimento pendular e sem pausas, entre o trabalho e a família - especialmente a sénior.
Dias que de súbito se esgotam.
Resta-me um evasivo minuto para me surpreender com as não-notícias e a total destruição do jornalismo.

Bom fim-de-semana, meus amigos.


domingo, 3 de maio de 2020

O meu lugar

Senhora dos Prazeres, foto da Câmara Municipal de Ponte de Sor


Lugar de alguns sonhos corridos por esses caminhos. Lugar de noites feitas de fiapos de relento e de astros familiares identificados no breu. Lugar de bateria recarregada, porque a alma ancestral ali se lava do quotidiano. O romance, as pedaladas vigorosas na familiar bicicleta. A corrida dos velhos tempos de atleta. A caminhada longa. A chegada motorizada.
Ancestral «Senhora dos Prazeres» que tanto te amamos. Tu, a velha fenícia da inscrição que ainda guardas. Tu, a romana convertida aos prazeres sórdidos do caminhante em velha estalagem que aliviava a estrada até Mérida. Tu, a templária de secretos segredos que ainda hoje guardas nos teus cultos primaveris. Velha sefardita, aliada a Castelo de Vide, dos imensos piqueniques campestres. És nossa em Maio e dos de Castelo de Vide em Setembro. «Senhora dos Prazeres», com esse topónimo, alguma vez foste católica?
Madrinha de meninas que nasceram como eu, filhas de um tempo antigo. Padrinhos? Dois. Madrinha? Tu! Hoje, anos levados, ainda te amo na tua singela complexidade, na ausência de tantos a quem quisemos juntas.
Vejo-te como o Açor que sobrevoa a nossa terra e lhe roubou o nome. A criança que me habita, corre pelos caminhos desarvorada, feita trigo do Futuro.

Ana