Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Refundação...

Levi van Veluw's


Dias curtos. Excesso de trabalho. Mariposas que esvoaçam fúteis e breves. Cacofonias. Dias curtos. Rostos tristes que o Verão tisnou e agora envelhecem já sem brilho. Prematuras velhices de onde a esperança juvenil se escapou. 
Gente que protesta. Velhos que tremem. Adultos que temem.
Lugares vazios acolhem os primeiros frios. Fugazes silêncios. A coragem que foge. A esperança que se afasta. Nefasta linguagem, também destruída. A vida fragmentada. Estilhaçado o sonho.
O medo. A ignorância, lugar do secreto para ser habitado. Cacofonias. Dias curtos. Fragmentos. 
País antigo. Já não somos, habitamos aqui.

Ana

domingo, 28 de outubro de 2012

O Poder das Corporações


«Industrial Worker», 1911



«Mas a realidade é esta: não temos um projecto de país. Vivemos ao deus-dará, conforme o lado de que o vento sopra. As pessoas já não pensam só no dia-a-dia, pensam no minuto a minuto. Estamos endividados até às orelhas e fazemos uma falsa vida de prosperidade. Aparência, aparência, aparência - e nada por trás. Onde estão as ideias? Onde está uma ideia de futuro para Portugal? Como vamos viver quando se acabarem os dinheiros da Europa? Os governos todos navegam à vista da costa e parece que ninguém quer pensar nisto, ninguém ousa ir mais além.»

José SARAMAGO, in "Entrevista" à revista Visão, 2003


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

IN VINO VERITAS

Dinamarca

Eu não sabia ainda que havia na distância um país chamado Dinamarca. Nem conhecia essa gente feliz debruçada sobre as frias águas. Na minha terra as ruas eram de cubos de granito quente, pois o sol torrava os longos dias de Verão. Era criança. Alguns meninos corriam descalços e outros tinham sandálias de plástico castanho. As minhas meias eram curtas e brancas, feitas por habilidosas mãos de mulheres, e magoavam-me os pés...
A carrinha chegava e eu corria até ao Largo das amoreiras, onde o  único táxi esperava festas e urgências. A desengonçada da carrinha era cinzenta e, dentro dela, bucho cheio de livros aos solavancos. Os dias longos eram de leitura aditiva. Os olhos percorriam, encantados, linha após linha e, amiúde, uma necessidade de cheirar a obra entreaberta impunha-se em intervalos. Foi assim que, aos catorze anos, conheci Soren Kierkegaard e a sua inquietação. Li com obsessão o Banquete (in vino veritas) e ouço até hoje a conversa crepuscular e as rolhas em estalidos. Nasceu aí um desespero consciente, uma crença sólida no humano, uma busca existencial sem tréguas.



Vale de Açor, Ponte de Sor

Percorri, depois, muitos trilhos. Nenhuma distância é temível na extrema solidão dourada da planura. Leio, agora, em castelhano, do mesmo autor, La Enfermedad Mortal, e penso no meu país natal.  
«Aqui estamos perante o imediato com uma reflexão simplesmente quantitativa. Aqui não há consciência infinita do eu, do que é a desesperação, nem da natureza desesperada em que cada um se encontra, aqui desesperar é, simplesmente, sofrer.».

Sim, eu sei que extrapolo, que socializo a íntima inquietação e o desespero existencialista de um autor frustrado, diria mesmo, oprimido pela crença empedernida de seu pai. Porém, em dia chuvoso, relendo Kierkegaard, neste cinzento país de crenças confusas, só vos posso falar de um abismo íntimo aonde a fé e a identidade se perdem em diálogos antigos.

Ana


sábado, 20 de outubro de 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Rainha de Portugal

Vaticano, José Alves 

Aquela que eu fui nunca decorou credos nem cânticos.


Cabeção, José Alves

O descampado sempre trouxe o eco e o balir manso dos rebanhos e levou dispersas nuvens para a distância azul infinita, rasgada por aves de rapina. Aquela que eu fui vai, agora, na peregrinação íntima, rumo ao lugar onde se guardam as pedras angulares que os construtores desprezaram há muito.


Belmonte, José Alves

Sabe que nunca chamará Deus por um nome, pois a sua divindade excede a linguagem tangível das metáforas humanas. Aquela que eu fui conhece lugares que os credos habitam, mas varou a planície e subiu às montanhas ouvindo sermões da religião nova.


Grécia, José Alves

 Pisou os caminhos, em noites de Inverno, estalando a folhagem que as botas calcavam. Pronta a partir, sabendo que, em qualquer lugar, os olhares guardam ainda o brilho da Humanidade.
Aquela que eu sou habita o silêncio e sabe que os seres se refugiam no medo, mistério tremendo, arquitecto secreto da fé destes homens. Num lugar distante, talvez ainda encontre a secreta mensagem, inviolável, porém.


Mar Egeu, José Alves

Filha da Ibéria, herdeira do Mediterrâneo, virada para sul, bem pode o filósofo clamar-me hiperbórea (engana-se outra vez). Não me atraem druídas, nem bosques encantados.

José Alves

Tu, celebra o fim das colheitas, que o outono acolhe. Nome de mulher, fenómeno de luz, filha de Maomé com beleza sublime, desfia o luar não cegues os homens.
 Homem, responsável, não mintas assim que o velho Deus - se crês - te ouve!

 Este é o Reino, esta é a Hora.


Ana


*Especialmente dedicado ao cardeal patriarca de Lisboa que, em Fátima, falou de forma ignóbil, tornando ainda mais controversa a velha expressão: ««Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» (Mateus 22:21)[1] (em grego:Ἀπόδοτε οὖν τὰ Καίσαρος Καίσαρι καὶ τὰ τοῦ Θεοῦ τῷ Θεῷ). O episódio aparece em Lucas 20:20-26Mateus 22:15-22 e Marcos 12:13-17.», wiki

http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=2825411

domingo, 7 de outubro de 2012

Portugal, grau zero.

Vasily Polenov
Vasily Polenov



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Crenças

Vasily Polenov

Já houve um tempo assim. Tu e eu sonhávamos uma simplicidade ancestral de homens - irmãos. Como sempre, eu falava-te do ascetismo, da contenção, do olhar luminoso. O Mediterrâneo acolhia a nossa identidade e o nosso peito arfava feliz por respirarmos estes ares. Os homens olhavam-se de frente e no pergaminho dos seus rostos enrugados podíamos ler-lhes a história. Decerto que houve lutas e rixas, guerras maiores e ciúmes antigos. Decerto as mulheres caminhavam cansadas calcando o pó dos caminhos...mas tu e eu conhecíamos as manhãs brumosas e húmidas que acordavam em dias luminosos, quentes, outonais.
Tu e eu ainda estamos aqui.


Ana