Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Eméritos...





Alentejo, José Alves


Caminho em silêncio, atravesso o parque, escutando  o som dos meus passos incómodos. A Primavera extemporânea já fez sorrir flores precoces, todavia um frio gélido recorda-me a estranheza do dia. Ladeio sobreiros com pensamentos cruzados e, em frente, nuvens pesadas sublinham geografias que conheço, mas não habito. 
Há um horizonte de neve e anunciam-me a morte de Stéphane Hessel. Escureço intimamente como se a II.ª Guerra estivesse de regresso e humanistas partissem numa onda de tirania.

Mont Blanc, José Alves


A voz de Mariangela cantada, no seu sotaque das montanhas de Emilia Romagna, agora residente em Milão, ecoa-me por dentro. Tivemos eleições, «Cara», para sabermos que não elegemos ninguém...e eu, na distância, lá fui tentando explicar que talvez estejamos num vórtice qualquer, numa curva da História. Não me vergo à desumanidade. Não me converto ao medo...


Emilia Romagna, José Alves

Atravesso o parque e ensaio a fuga - que a minha mente não ma roubam - e vagueio no espaço, antes do recomeço das minhas horas escravas de trabalho infindável. Por mais que me convertam na máquina que desenharam, a ruína espreita o velho país que se perfila no Atlântico e o Norte desta Europa pesará aos ombros do Sul claro e luminoso.

Roma, José Alves

Em Roma, me dizem, declinam impérios. Em Avinhão - talvez - germina um cisma. Dois papas, afinal, são a evidência da crise que se aloja, já o sabemos, sob a colunata barroca - lá onde a Banca estende seus braços de polvo e um outro alemão zeloso vigiará o dinheiro de César. A isto tudo Deus há-de sobreviver, os homens, esses, já não os garanto...que Leonardo morreu há muito e o seu génio se cobre de cinzas.


Casa-museu Leonardo da Vinci, Florença - José Alves



Nuvens negras ameaçam incautos. Apresso o passo que a grade me espera e, lá longe na memória, saúdo o sol e a luz. Pedagoga e escrava, o mar Egeu clama pela minha alma (se ainda ela me habitar) e os deuses sabem que os quero e amo se servirem as suas criaturas e as elevarem aos ideais da Verdade e da Justiça.


Mar Egeu, Grécia, José Alves



quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Poema infantil

Rob Gonsalves


Coração, porque tens frio?
Porque choras, coração?
Será que esse arrepio
É para ti consolação?
Quantas lágrimas não derramas,
Ó meu pobre coração?
Porque será que sempre clamas
Algo mais que compaixão?
Coração, criança inocente,
Não chores, brinca no rio,
Mas sem frio eternamente!
Não chores, brinca sem frio,
Mas repara na torrente
Que pode trazer teu Frio!


Ana, 15 de Julho de 1972 (14 anos)




domingo, 17 de fevereiro de 2013

Injustiças...

António Pedro


Caem secretos imersos
Imensos
Húmidos cinzentos
Incensos
Desertos tombam dispersos

Os sonhos que voam
Ecoam
Não findam

Não vingam
As injustiças que troam


Ana






sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O Asteróide 2012 DA14 e as Fénix


Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.


Meteorito, Cheliabinsk, Rússia



Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em Vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave, em doce agrado.

Asteróide 2012 DA14
Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Vaticano, 12 - 2 - 2013

Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

Francisco de Vasconcelos Coutinho 
in Fénix Renascida III
(Portugal-1.665/1.723)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Gosto



http://isabelguerra.com/  (A monja pintora)


Gosto de olhar assim o dia.
Gosto de afundar toda a ilusão
Neste sol que resplandece e alumia,
Que acorda e se funde numa canção!

Gosto de descobrir um poema
Em cada nascente, em cada flor.
Na folha que se agite e trema,
Gosto de inventar o Amor...

Vida que gosto de edificar
Na quietude mansa do dia,
Que se expande num feliz cantar!

Gosto de a tudo dar ironia,
Meus dezasseis anos sufocar
Num misto de ilusão e poesia.


(27/2/74 - pouca coisa mudou no meu íntimo e, no entanto, saíra há pouco dos meus quinze anos)

                        Ana


http://www.editorialvirtual-mapp.com/ISABEL-GUERRA.html


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Auto da Fé

Tulipa laranja


Leio mais um processo inquisitorial. Surpreende-me, outra vez, este rigor miudinho de antanho. Minúcia e excelência no trabalho jamais se identificaram com o Bom, com o ético...A luz coada que entra no silêncio casulo da Torre do Tombo acolhe velhos judeus que caminham, ainda, pelas ruas frias de Amesterdão.
Manuel Bocarro Francês - médico, matemático e astrónomo - que há-de ser, depois, aquilo que fora - Jacob Rosales - anda por Hamburgo, conversa com Kepler e seguirá para Roma para publicar a sua obra sob os auspícios de Galileu Galilei. Os príncipes da Europa reclamam os seus cuidados médicos e a morte surpreende-o em Florença quando  cuida da duquesa de Strozzi.
Homens sábios, afáveis e justos desfilam sob os meus olhos à crua luz lisboeta do século dezassete. Estão nos Autos. As suas vidas foram afastadas de um país mesquinho em que uma escuridão se adensa, como espectáculo mundano, ali, de costas para o Tejo. 
Autos da Fé, do medo e da coacção.

Emigradas da Turquia, com seus turbantes coloridos, tulipas ladeiam o meu jardim. Vieram da Holanda num dia de Verão, nas mãos do meu filho, e recordam-me que fui capaz de passar o testemunho. 

Não podemos abdicar. O Carnaval que enche as nossas praças seculares há-de ter um fim.

Ana


domingo, 3 de fevereiro de 2013

Não tombes!

Nicolas Poussin



Não caias
Não tombes
Vai
Voa
O vento atroa
Não saias
Não zombes
Vai
Voa
O tempo é sério
O grito etéreo
Não tombes
Vai
Voa
Não caias!

Ana