Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

domingo, 19 de novembro de 2023

O rosto triste do Norte

 

Portugal, Campanhã, colégio maior Camilo Castelo Branco - 2023


O rosto triste do Norte

Inundado, neste Novembro 

De estridências e cacofonias,

Pressagia, endeusado, o mosto

Dos sonhos de Setembro...

Saliências erguem-se, medonhas,

No rosto triste do Norte!

Rebeldias de rios que transbordam,

Na juventude apagada pela velhice!

Fugas fugazes, furiosas...

No rosto tão triste da morte.


Ana

domingo, 29 de outubro de 2023

Sugestão de leitura - Amos Oz

 



      Com uma melhoria significativa na minha visão do olho esquerdo, atiro-me à leitura. Dias de sangue e de chuva intensa, levam-me a Amos Oz - ainda não tivera ocasião de encontrar este seu livro.

"Se não houver aqui dois estados, e rapidamente, é muito possível que, para retardar a criação de um estado árabe do mar até ao Jordão, se erga aqui, temporariamente, uma ditadura de judeus fanáticos… de características raciais, que subjugará com mão de ferro quer os árabes quer os seus opositores judeus. Uma ditadura destas não terá uma vida longa." (...) 
As guerras continuarão  (...)"até à queda da Autoridade Palestiniana e à ascensão do Hamas ou de um factor mais radical e fanático do que o Hamas."(Amos OZ) 

    O autor morreu em 2018, mas poderia ter escrito hoje estas palavras. 
     
    
Amos Oz (1939-2018) é o escritor israelita mais conhecido e lido no mundo. Nascido em Jerusalém, viveu os últimos anos da sua vida em Telavive. Dedicou-se à militância a favor da paz entre palestinianos e israelitas, foi professor de literatura na Universidade BenGurion, no deserto do Neguev, e membro da Academia da Língua Hebraica. Os seus livros receberam as mais importantes distinções internacionais, incluindo o Prémio Femina (1988), o Prémio da Paz dos Livreiros Alemães (1992), o Prémio Israel de Literatura (1998), o Prémio Goethe (2005), o Prémio Grinzane Cavour (2007), o Prémio Príncipe das Astúrias (2007), o Prémio Franz Kafka (2013), o Prémio Pak Kyongni (Coreia, 2015) e o Prémio Bottari Lattes Grinzane (Itália, 2016). Judas, o seu último romance, foi galardoado com o Prémio Internacional de Literatura – Casa das Culturas do Mundo 2015 (Alemanha) . (WOOK)

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Na distância

 

Montemor-o-Novo (castelo), 2023

    São os ecos distantes das guerras que nos torturam. Alguns enfiam a cabeça na areia ou levitam nos sonhos, nós vagueamos por aí...sempre fomos aonde tínhamos que ir, fitámos nascimentos e moribundos. A vida tem estes ciclos e alguns são de retrocessos em espiral. Por aqui, viajamos no tempo - são as nossas "voltas". Já te detiveste para reflectires sobre o sentido desse termo?


Oliveira, Castelo de Montemor-o-Novo, 2023

    Chegada até aqui, talvez cultivada por Ísis, a mulher de Osíris, é este o seu tempo. Tudo tem o seu tempo! Das mãos dos fenícios, às dos gregos e às dos romanos, o crescente fértil e a Civilização vivem nela. Porém, que fizemos aos tempos? Onde pára a Civilização?

    A minha amiga Christel, sitiada em casa, diz-me que ela se desmorona pelas ruas da sua Bélgica. Os ecos da distância ecoarão, sempre, na Europa. Afinal, como há tanto tempo escreveu Anaxágoras, "Tudo faz parte do Tudo"...

    

Montemor-o-Novo, 2023

        Na distância, a nova cidade espraia-se ao olhar! Tudo vai mudando, pois bem sabemos que a velha urbe se aninhava na cerca do castelo. Os lugares mudam de lugar, implacavelmente. E, este, é sítio de muitas mudanças. A História não se cristaliza. Mas, diz-me, o que nos sobra de tudo isto? A face grotesca dos mortos, como naqueles que tanto nos impressionaram, ali na entrada daquele museu - catorze séculos antes da era comum, mais estes XXI que tanto nos torturam...que velhos sinais de Civilização! Trinta e cinco séculos, porém nada aprendemos.




Jerusalém, 2019 - José Alves





Nota: "Os caixões de cerâmica antropóides do Levante da Idade do Bronze Final são uma prática funerária única que é uma síntese das ideologias egípcias e do Oriente Próximo . Os caixões datam dos séculos 14 a 10 aC e foram encontrados em Deir el-Balah , Beth Shean , Lachish , Tell el-Far'ah , Sahab e, mais recentemente, no Vale de Jezreel em 2013. [1] Os caixões mostram Influência egípcia no Antigo Oriente Próximo e exibe muitas qualidades egípcias nas representações das máscaras faciais nas pálpebras. As tampas podem ser separadas em duas categorias artísticas, a natural e a grotesca , e os corpos são separados em tipo A , afilados a partir dos ombros, e tipo B , cilíndricos. [2] Os túmulos contêm ricas ofertas funerárias de diversas origens de Chipre , Micenas , Egito , Fenícia e Canaã . Os túmulos parecem ter sido originalmente reservados para autoridades egípcias e mais tarde tornaram-se parte da cultura cananéia e filisteu . [3]" (WIKI)



Urgentemente


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas - Até Amanhã

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Lonjuras iniciais

 

Choça do castelo, Nougar, Baixo Alentejo

    O Outono traz essa nostalgia do momento iniciático em que olhávamos ao redor e tínhamos um redil de sonhos de que os outros cuidavam e, olhando em frente, víamos o Futuro alimentado pelo fiar de quimeras que íamos desenhando sozinhos.
    Agora, a vida traz-nos os frutos maduros de uma sementeira antiga. Outonais, perdemo-nos na lonjura da terra quente, excessiva de memórias e de fortalezas de uma História de invadidos ou evadidos.
    Amamos esses lugares ocultos nas lonjuras de caminhos de terra que serpenteiam por aí. O Alentejo é imenso e, na surpresa dos seus mitos e lendas, alberga o respirar antigo e gerador. Unidos nesse desígnio, calcorreamos rotas apagadas. Desta vez foram dez quilómetros de mau caminho por terra batida.

Vista sobre o Parque de las Brujas (Espanha)

    Olhamos, embevecidos, a outra margem do rio Ardila, anónimos, e a designação "parque de las brujas" tão querida dessas gentes do outro lado. Deles nos defendemos, e a velha povoação de Noudar (extinta por decreto?!) contra eles se fortificou sobre as ruínas dos povos, desde a pré-história ... o orgulho da nossa identidade cristalizou naquele lugar isolado. Assim, ali, no Outono até as aves se parecem calar.

Castelo de Noudar

    Romanos, visigodos árabes...sangue mestiço de tantas origens, como apurar os sonhos de todos?

Noudar


    O isolamento sempre foi a condenação encontrada pelos poderosos do mundo. E Noudar perdeu-se nas eras. Só os linces se propagam, seus guardiões e senhores.


Lince ibérico (wiki)

    Barrancos, a dez quilómetros, foi-se ajeitando nas suas pequenas casas, altiva no serpentear de lendas e serpentes encalmadas, porque moiras encantadas e perdidas de amores, se refugiaram lá no castelo de Noudar - agora sem gente, sem povoação, extinta. Barrancos, município de uma só freguesia - Barrancos! Menos de duas mil criaturas que o poder menospreza, para tal basta olhar a estrada que lá nos leva.

    
Noudar, Baixo Alentejo

     Amamo-nos nesta identidade de aventureiros, neste arfar da Natureza. Não nasceste alentejano e eu digo, a brincar, que te "alentejanaste". Nem o pequeno canivete te falha na hora de comer...e não dispensas o bolo finto para acompanhares o café forte que levamos de casa.
    


       Ana    
    



sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Paracelso, médico, astrólogo e alquimista

 

José Alves, Igreja de Santa Catarina

    É caótica a pólis, e seremos gratos pelo fôlego de gatos que ainda temos. Hoje, viajamos na memória de dias quentes e sedentos de vida. 
    Nunca leves a tua medida para lugares de milénios, abre-te ao sonho, busca a metáfora, perde-te por aí...que o mundo de roteiros e plásticos pode, apenas, arranhar a superfície.
    A Beleza emerge do inusitado, num qualquer recanto sem expectativa. Recordo, então, Paracelso esse suíço-alemão que viveu do século XV para o século XVI e que reflectiu sobre a arte do Amor. Ensinou essa postura tão singela: amar é tão simples, basta aceitar a diferença e livrar-se do estereótipo. 
    Nenhum dos meus amigos, que visitou Atenas, apreciou a pólis. 
   Vivi nela dez dias em plena crise do OXI...suja, decadente, com manifestantes, paredes pintadas, taxistas que eram médicos e professores desempregados, turistas ricos e pobres, refugiados da Síria aos magotes, o hotel repleto de militares fugidos da Turquia por causa do golpe fracassado contra o ditador Recep Erdogan, gente anónima nas ruas onde nasceu...
    Capital da decadência de uma sociedade de consumo que fracassara, perdida na corrupção e no aproveitamento estrangeiro que, abutre, lhe ía consumindo o espírito e a paz social. Mas, ainda assim, cidade de origem e de conhecimento que acolhia a matriz bela de um retorno à civilização que somos: hino e apelo ao conhecimento e compreensão da nossa essência profunda, eco do passado da Europa tal como a conhecemos.


José Alves, Templo de Zeus


"Quem nada conhece, nada ama."


José Alves, Ágora (no monte, o Planetário)

"Quem nada pode fazer, nada compreende."


José Alves, Templo de Hefesto

"Quem nada compreende, nada vale."

José Alves, Áttica, edifício da edilidade

"Mas quem compreende também ama, observa, vê..."


José Alves, Kolonaki

"Quanto mais conhecimento houver inerente numa coisa,"


José Alves, Universidade de Atenas (Edifício Administrativo)

"tanto maior o amor..."


José Alves, Museu de Numismática 

"Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo,"

José Alves (sim, sou eu e o José Alves), Poseidon, Museu Nacional Arqueológico

"como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas."


José Alves, Pireus

    Paracelso chamou a esse olhar viciado pelo senso comum, ligeiro e rotineiro, de "olhar em linha recta". Esse olhar é perigoso, na medida em que nos nega a tolerância e a Beleza.

José Alves, Espólio das Ciclades, MNA


    E, porque Paracelso também foi um médico renascentista e nos recomendou, sabiamente:

“Todas as substâncias são venenos, não existe nada que não seja veneno. Somente a dose correcta diferencia o veneno do remédio.”


José Alves, Atenas, Psiri



Bebamos, então um "Uzo"!



Ana



Nota: o imprescindível bilhete.