Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A música das esferas...



Inma Valderas, «Las nubes son pintoras»


A luz suave desta madrugada traz o eco sereno da Primavera por vir. Ânsias  de jardim, desejos de brisa cálida nesse rumor das tardes longas espreguiçadas sobre a planície. Não creias na cacografia que se instala sobre nuvens passageiras, que a terra já arfa seu Março. 
Nas noites mornas de breu, escutaremos a música das esferas que só o quieto silêncio nos dá. Pautas celestes que o Arquitecto compôs nos ensinarão a  frágil quietude em que estamos nesta ínfima viagem. Pintores do grau mínimo daquilo que somos aspiraremos ao infinito.
Humanos, todavia...


Ana

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

«Está nas nossas mãos»

Knossos, Creta, Grécia - José Alves


LEGADO

Disse: creio na poesia, no amor, na morte
e por isso mesmo, creio na imortalidade. 
Escrevo um verso,
escrevo o mundo, existo; existe o mundo.
Da ponta do meu dedo mínimo corre um rio.
O céu é sete vezes azul. 
Esta pureza
é de novo a primeira verdade, a minha última vontade.

                                           YANNIS RITSOS, Grécia, 1901-1990
Tradução de Eugénio de Andrade



Yannis Ritsos, nome maior da poesia grega contemporânea,  nascido em Monemvassia (Grécia), a 1 de Maio de 1909 e falecido a 11 de Novembro de 1990, em Atenas.
Para além da literatura, destacou-se na luta armada contra a ocupação nazi da Grécia. 


Knossos, Creta, Grécia - José Alves



     VIERAM
com os galões dourados
     os galos do Norte e as feras do Levante.
E tendo repartido em duas a minha carne
     acabaram por se disputar pelo meu fígado
e foram-se.
     "Para eles", disseram, "o fumo do sacrifício,
para nós os fumos da glória,
     amén."
E o som enviado do passado
     todos o ouvimos e conhecemos.
Conhecemos o som e de novo
     de voz apertada cantámos:
para nós, para nós o ferro ensanguentado
     e a traição triplamente urdida.
Para nós a madrugada na caldeira
     e os dentes cerrados até à hora derradeira,
e o dolo e a rede invisível.
     Para nós o rastejar na terra,
a jura escondida na escuridão
     dos olhos, a crueldade,
sem nenhuma, nunca nenhuma Contrapartida.
     Irmãos enganaram-nos!
"Para eles", disseram, "o fumo do sacrifício,
     para nós os fumos da glória,
amén."
     Mas tu na nossa mão a candeia das estrelas
com a tua fala acendeste, boca do inocente,
     porta do Paraíso!
A vigência do fumo no futuro vemos
     jogo da tua respiração
e seu poder e reinado!

                        de Louvado Seja (Áxion Estí)
tradução portuguesa e posfácio de 
Manuel Resende, Assírio e Alvim, 2004.

Odysséas Elytis é um poeta grego falecido em 1995. Recebeu o prémio Nobel em 1979.
Áxion Estí, publicado em 1959, é um poema nacional no qual o poeta, inspirado na tradição, revê a história da Grécia com todas as suas vicissitudes e anseia por um renascimento. E, como ele disse no Discurso do Prémio Nobel:

"No fundo, o mundo material é um puro amontoado de matéria. A construção final depende da nossa qualidade de arquitectos. O paraíso ou o inferno. Se a poesia contém uma garantia e isto nestes tempos sombrios, é precisamente esta: que o nosso destino, apesar de tudo, está nas nossas mãos."
 In Posfácio a Áxion Estí de Manuel Resende.


Museu de Heraklion, Creta - José Alves


Mais poemas gregos:





Knossos, Grécia - José Alves



domingo, 15 de fevereiro de 2015

Obrigada, Alex Campos!


África

Os meus dias correm afiados. Só hoje posso ter a paz necessária para aqui deixar o agradecimento de um presente muito especial que recebi do meu amigo Alex Campos. Ele conhece bem África. Eu fui apenas, durante alguns anos, professora de Literaturas de Língua Portuguesa.


Recordando...

Assim, quando abri o pequeno pacote...a minha alma deslumbrou-se. Acabava de receber o manancial poético dessa incomparável voz africana: Alda Lara!






À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados 

Em cristallímpido e puro...

E àquela virgem esquecida 
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
meu vestido de noiva

Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo 

Que não acredita em Deus...

E os livrosrosários meus
Das contas de outro sofrer

São para os homens humildes
Que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos
Essesque são de dor 
Sincera e desordenada... 
Essesque são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora
Em que a minha alma venha 
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora... 

Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças 

Que encontrares em cada rua...



Obrigada, Alex Campos!