Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Tinham o Sol

Ana 

Eles tinham o Sol

e o brilho da tarde que findava

Eles eram o arrebol
de Verões enfurecidos
quentes e amanhecidos
quando a madrugada os pintava

Eles sabiam do salmo
conheciam o hino
deste futuro tão calmo
refém estático do Destino

Eles conheciam a paixão
o calor tórrido do Verão
o pó quente dos caminhos

Eles não estavam sozinhos


Ana




domingo, 12 de abril de 2020

Querida Sefarad


Ascent of The Spirit, Vladimir Kush


A terra da minha infância leva-me a essa pura ascensão do espírito. Estes caminhos da memória são feitos de muitos passos e de alguma fuga ao pensamento estabelecido. Trazem-me o som rangente da bicicleta sobre a areia solta.


Falcão, 2020


Este é o cheiro das estevas quentes pelos primeiros raios do sol primaveril. Viagem de retorno eterno. Vida a desabrochar, mesmo se daqui quase todos partiram. Esta é a passagem.


Aldraba, 2020


A mão, a vida física, a protecção da velha casa da avó. Mas, esta,  era só uma casa de passagem. Logo à entrada, num recanto, estava a verdadeira chave da casa que não abria esta porta. 



Crescente ou fermento, 2020, cá de casa


Façamos só mais alguns pães. Contigo, avó, aprendo o fermento. É um exercício de espera e de paciência. Com a mãe o continuo. Hoje, estou sozinha a alimentá-lo. Este cheiro genuíno, este travo ácido...vem de um lugar remoto na minha infância.



Pão alentejano, 2020, cá de casa

Duvidas, ainda? A cultura materna não se escreve nos livros. Ela é a vida, este valor intransmissível que respeitamos em cada tonalidade e que aprendemos vivendo. Não a aprendi em nenhuma das universidades por onde andei.


Bolo de bacia tradicional, 2020, cá de casa

O cheiro quente da canela e da erva-doce há-de renovar cada sentido, como um hino ou como um salmo. A tradição não significa conservar, mimetizar, teatralizar...a renovação é o significado íntimo de cada gesto. Quantas vezes te falei da sobrevivência?


Pão sem fermento, 2020, cá de casa

Hoje deitamos fora a massa velha e renovamos o antigo ritual. No nosso querido Alentejo, o cabrito há-de estar sobre a mesa e, humanos seremos...comendo!


Cabrito de leite,2020, cá de casa

Não me peças, hoje, Poesia!
Ao longe, no mais rico dos países, a desumanidade grassa e o pavor instala-se. Nós conhecemos a perseguição, o caminho da sombra, mas somos humanos e sofremos. A nossa rota invisível, como o inimigo que nos persegue, não logrará vencer a nossa Humanidade!


Nova Iorque, valas comuns, 2020
Ana


Nota: itens alimentares cá de casa!


terça-feira, 7 de abril de 2020

A Estranha Ordem das Coisas

Atrás das barras_P & Ink, Vladimir Kush

Com os meus alunos do outro lado de um ecrã, alojados numa turma virtual e entregues a uma aula digital, escondidos de um inimigo invisível, procuro a expressão mais exacta de cada momento. Não é uma tarefa fácil, nem para mim que vivo do uso desta nossa Língua comum.
A primeira semana foi a de uma ausência. Onde está o parque que atravessaria a cada manhã, enchendo o peito dos primeiros raios de luz para levar até vós? Onde, aquele frenesim de vida a desabrochar em cada olhar fugidio ou acolhedor como o futuro que prepararíamos juntos? Onde, o meu chegar silencioso e súbito que te surpreenderia num susto pueril? Onde a empatia e o sorriso, ou o ar severo que para ti ensaio?
E o tempo vai criando a rotina de uma (novi)profissão que preencheu os dias inteiros numa distopia, verdadeira antiutopia de tudo o que fui. 
E, neste negativo da velha fotografia daquilo que fomos, restou-me escolher mais um livro para ler. Aqui partilho convosco A Estranha Ordem das Coisas, de António Damásio

A Estranha Ordem das Coisas - Livro - WOOK


«Os seres humanos acabam sempre por depender da maquinaria dos afectos e das suas ligações com a razão. Não há maneira de fugir a tal condição.» pág. 305, 1.ª edição, 2017 


Saúde, meus amigos!