Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

terça-feira, 10 de novembro de 2015

JUSTITIA MATER

Vladimir Kush


Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:

No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
Dum Deus que luta, poderoso e inculto.

Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue mádida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,

Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!


Antero de Quental



 Nenhum homem é por natureza escravo.
Ζήνων ὁ Κιτιεύς
(Zenão de Cítio, séc. IV A.C.)

domingo, 8 de novembro de 2015

A vida não finda

Maxfield Parrish  (1870-1966)
«Land of make­believe»


Silencioso sonho
Que buscas ainda
Na dobra do mar,
Na orla do tempo.
A vida não finda
É sopro e é vento,
Doce medronho,
Jasmim ao luar!


Ana






terça-feira, 3 de novembro de 2015

Ajuda (BA)

«site» oficial, BA

Olho as mesmas paredes, róseas das eras e de luxos antigos. A Teresa já não está por ali, talvez pode as suas roseiras na casa solitária e bela que ergueu para a aposentação. Sem filhos, mulher dos livros raros, cordial e vinda de África, imagino-a de sorriso aberto e ar despachado, magra e de saquinho enfiado no braço - como só um certo tipo de donas consegue fazer - a olhar para este friso de não académicos, senhores de enfatuado vazio e esgares de conveniência.
Andei por ali nos anos noventa, peito cheio de esperança, mas visão clara da circunstância em que aquelas portas se me abriram. Sentia-me como no interior de um templo de rara imponência, habitado por criaturas vagas e sábias que se deixavam vislumbrar em salas que nunca pisei. Uma paz de crente que poderia ter sido, mas sempre os imperfeitos humanos me fizeram um apelo inegável. Dizer «não» pode ser um desígnio.

Olho, chocada, este friso de homens e de mulheres que, parece, irão governar o que resta do meu país...que fazem, neste lugar?

Lá atrás, a Teresa traz-me a tradução manuscrita do meu homem do século XVII e esgueiro-me no tempo.
O templo foi profanado.

Ana