"Versos da mineira, que Drummond chamou de 'lírica, bíblica, existencial', misturam religião, desejo e morte, falando sobre as angústias das mulheres da família que gostam de sexo e temem a Deus." (O Globo, 26/6/2024)
Ontem, depois de mais uma ida ao Hospital da Luz em Lisboa para outra consulta e exames de oftalmologia e de ver a ansiedade no rosto do meu Zé, lá recebi boas notícias. A vista está de novo ilesa. E eu que nem sabia que poderia existir uma trombose ocular...não fora ter capacidade para pagar os exames e as dispendiosas injecções intraoculares e estaria cega desse olho! Não posso deixar de pensar nisso, pois na urgência de há um ano, em Évora, nem sinais de um oftalmologista nesse dia...
Meus amigos sou-vos grata pela paciência e pelas palavras!
À Adélia Prado roubo este poema para o meu Zé.
Retribuirei, a seu tempo, as vossas visitas.
Para o Zé
Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe — os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
( Adélia Prado ) - DAQUI
(Do livro Bagagem. São Paulo: Siciliano, 1993. p. 99)
Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe — os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
( Adélia Prado ) - DAQUI
(Do livro Bagagem. São Paulo: Siciliano, 1993. p. 99)
10 comentários:
Comovente e lindo poema bem a calhar pra alegria de visrta recuperada poderem festejar! Maravilha! Fico feliz! beijos, tudo de bom,chica
É um poema tocante, belo e expressivo que não conhecia. Agradeço.
Gosto muito de a ler e pergunto: Por que só agora?
Os escritores nem beneficiam em vida da valorização do prémio...
Deixei-lhe uma mensagem no blog 'Encontro de Amigos'... Abraço
~~~
À Adélia Prado roubaste este poema para o teu Zé.
Lendo-o e sentindo-o como se me fosse dedicado
tive a sensação de o ter já sentido
penso! reflito!
Acho que são palavras
que a minha (saudosa) Teresa
me dizia
através do seu doce o olhar
E falando de olhos
que bom saber que os teus
estarão como novos
Beijo
O mais importante: a sua saúde. Que a recuperação seja total!
Lindíssimo o poema que escolheu para o seu Zé.
Parabéns para Adélia Prado.
Beijinhos e que tudo continue a correr pelo melhor!
Sensível e delicado poema da Adélia Prado a quem roubou o poema para o seu Zé. Ela ficaria contente se soubesse. Gosto muito da poesia dela. Gostei que tivesse recebido o prémio Camões.
Fico muito contente por ter tido sucesso na intervenção que fez à vista. Tem que continuar a ter cuidado por algum tempo. Tudo a correr pelo melhor.
Uma boa semana.
Um beijo.
Minha querida.Votos que melhores rápido e adorei esse poema para o teu Zé. É lindo. Tinha saudades daqui. Deixo um beijinho e o meu carinho.
Querida Ana
Uma grande e boa notícia encontro aqui, a da
recuperação do teu olho. Ainda bem e desejo-te
felicidades.
Aliada ao bem-estar da tua visão também temos
Adélia Prado vencedora do Prémio Camões.
Belo poema tu lhe roubaste para o teu Zé.
Beijinhos e tudo de bom.
Olinda
As melhoras, querida Amiga.
Dias de Julho repletos e felizes.
Beijinhos
~~~~~~
Olá, Ana, que poema, amiga!
Gosto imensamente de Adélia Prado, seus
poemas têm a singeleza que procuramos para definir
o nosso cotidiano, simples, terno e lindo.
Um prêmio tão desejado, agora é de Adélia!
Maravilhosa tua postagem, tua homenagem!
Te aplaudo.
Uma feliz semana, paz e saúde sempre!
Beijinhos
Olá, Ana, que poema, amiga!
Gosto imensamente de Adélia Prado, seus
poemas têm a singeleza que procuramos para definir
o nosso cotidiano, simples, terno e lindo.
Um prêmio tão desejado, agora é de Adélia!
Maravilhosa tua postagem, tua homenagem!
Te aplaudo.
Uma feliz semana, paz e saúde sempre!
Beijinhos
Enviar um comentário