Deixo-vos com o meu verdadeiro Poema: o meu filho.
O texto que se segue foi escrito por ele, amante de Física e apaixonado por metamateriais:
«Exausto sento-me naquele lugar da carruagem. Mais uma decisão na minha vida que firmei por motivo algum em particular. Talvez tenha até aferido sobre qual seria a minha preferência, entre a panóplia de experiências de viagens em diferentes lugares de carruagens como esta, discussão inconsciente que certamente ocorreu em paralelo com outra qualquer e provavelmente numa sala alheia à dos meus desejos mais imediatos, mas como em tantas outras decisões o meu Inconsciente pura e simplesmente me quis ali... encostado à janela, e, como em tantas outras visitas a carruagens como esta, de costas para o sentido do movimento de mais um comboio, no fim de mais um dia.
Entorpecido encosto a cabeça ao vidro e assim que se sustem o movimento do meu corpo, sujeito agora apenas aos solavancos dos carris, sou invadido novamente por tudo aquilo que me sufoca e me absorve. Aquelas vozes incansáveis e impossíveis de emudecer que nos tentam mostrar que grande parte do nosso ser é tudo menos imutável e que este se deixa lapidar de uma forma exagerada pela vida que levamos ou que nos fazem levar, mesmo que isso nos atormente. Senti-mo-nos paradoxalmente sós e presos a este viver comum, mas ao mesmo tempo convergimos no limite para este Ser único, esta consciência que a cada um de nós, egoístas criaturas, liga a todas as outras, eternas responsáveis.
Continuo assim a viagem, embriagado pelos propósitos da minha própria existência, por tudo o que me faz ser quem sou e por tudo o que me obriga a viver assim mesmo que não o queira, e de repente algo me desperta e me traz para fora de meus pensamentos. Algo no vidro. Deixo de conseguir ouvir as súplicas e de registar as quasi-talmúdicas discussões entre as "animadas" faces do meu sub-consciente. Permaneço ali, atónito perante aquela imagem. Todo o meu intelecto emerge deste transe envenenado e concentra-se naquela imagem que me acorda de traços tão (naturalmente) familiares. Olho assim o meu reflexo na janela deste comboio e permaneço assombrado por simplesmente já não o conhecer.»
Entorpecido encosto a cabeça ao vidro e assim que se sustem o movimento do meu corpo, sujeito agora apenas aos solavancos dos carris, sou invadido novamente por tudo aquilo que me sufoca e me absorve. Aquelas vozes incansáveis e impossíveis de emudecer que nos tentam mostrar que grande parte do nosso ser é tudo menos imutável e que este se deixa lapidar de uma forma exagerada pela vida que levamos ou que nos fazem levar, mesmo que isso nos atormente. Senti-mo-nos paradoxalmente sós e presos a este viver comum, mas ao mesmo tempo convergimos no limite para este Ser único, esta consciência que a cada um de nós, egoístas criaturas, liga a todas as outras, eternas responsáveis.
Continuo assim a viagem, embriagado pelos propósitos da minha própria existência, por tudo o que me faz ser quem sou e por tudo o que me obriga a viver assim mesmo que não o queira, e de repente algo me desperta e me traz para fora de meus pensamentos. Algo no vidro. Deixo de conseguir ouvir as súplicas e de registar as quasi-talmúdicas discussões entre as "animadas" faces do meu sub-consciente. Permaneço ali, atónito perante aquela imagem. Todo o meu intelecto emerge deste transe envenenado e concentra-se naquela imagem que me acorda de traços tão (naturalmente) familiares. Olho assim o meu reflexo na janela deste comboio e permaneço assombrado por simplesmente já não o conhecer.»
Rádio Clandestino (meu Filho)
18 comentários:
Quando voltei a escrever em 2006 , após longa hibernação, senti-me outro, estranho, e isso me assustou muito princípio. Esse outro acaba tornando-se forte, nossa verdade mais profunda. É bom emergirmos de nós próprios e sentirmos que , como diz o final de um poema meu, 'de repente algo me sonha'.
Belo texto. Quem é Rádio Clandestino?
Bjos.
Estupendo!
Profundamente forte,amiga...
Beijo
Ana, belo texto, puro entimento, física nunca foi tão emoção.
Quem sai aos seus... Eu achei muito bonito :)
Beijinhos
Herdou da mãe o dom da escrita ! Eu gostei.
E o poeta Mário Cláudio diz muito bem, eu estava ansiosa que chegasse :)
Beijinho
Rádio (já nem tão) Clandestino: o seu texto é muito bom, comovente, interessante, bem escrito. Não há qualquer incompatibilidade entre Física e Literatura, pois não? :-))Parabéns, a você e à sua mãe.
Excelente texto.
Que denota uma grande capcidade introspectiva.
Parabéns ao teu filho (e à mamã babada...).
Querida amiga, boa semana.
Beijos.
A filha que não tive
se chamaria
Maria.
Ela teria a pele branca
feito a lua
e os cabelos
cor de terra
feito os meus.
Seus olhos me olhariam
docemente.
Maria seria um doce de gente.
Mas Maria não se fez.
Melhor.
Assim a imagino sempre.
Sempre
e outra e outra vez...
Ana
Maria é o meu melhor poema jamais escrito. Teu post me emocionou. E eu sempre achei que matemática e física tem tudo a ver com poesia e emoção :).
Beijos.
Maravilhoso!!!!!
Una introspección dentro de tu más profundo yo...buscando la identidad dispersa en el tiempo, que de repente, recuperas dubitativa en el cristal...Tu" yo."
Es un canto expresado de una forma muy bella a la búsqueda de la identidad, después de recorrer los caminos de la vida.
Que suerte que la encontraste...no todos lo consiguen.
Precioso, querida amiga.
Un besito.
Parabéns a teu filho!
Bisous.
Querida Aninha
Pois eu também gostei muito, especialmente quando ele vê refectida a sua imagem. Vai para além da literatura. Gostei muito mesmo.
Parabéns aos dois.
Amiga já está calor em Lisboa. Já guardei os agasalhos...Bendita Primavera.
Beijinhos.
Isabel
essas viagens têm o dom de nos transportar e transformar...
mas continuamos, tão somente nós.
muito bom. parabéns.
abraço do vale
O seu verdadeiro poema é
um poema verdadeiro!
Beijinhos
Aninha, seu melhor Poema saiu a ti... sensível e lúcido!
Bjs.
Oi Ana
Apesar da correria, sobrou um tempinho para uma visita rápida e para lhe deixar um beijo.
Até qualquer hora
bendito filho.
Obrigada, meus amigos, por palavras tão generosas.
Ana Maria
*Traz
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