Eu tinha uma chave de ouro Que um dia no lago perdi, Mas de guarda ao meu tesouro Estava um peixe que conheci. Nas águas escuras do lago Minha chave ainda brilha E o peixe, sem ser pago, Guarda aquela maravilha. Eis que, um dia... A chave quer vir ao cimo, Mas o lago se esvazia! Guardo o peixe que estimo. E a minha chave de ouro O coração me abriu. Guardo nele o tesouro Que nunca mais me fugiu.
«Exausto sento-me naquele lugar da carruagem. Mais uma decisão na minha vida que firmei por motivo algum em particular. Talvez tenha até aferido sobre qual seria a minha preferência, entre a panóplia de experiências de viagens em diferentes lugares de carruagens como esta, discussão inconsciente que certamente ocorreu em paralelo com outra qualquer e provavelmente numa sala alheia à dos meus desejos mais imediatos, mas como em tantas outras decisões o meu Inconsciente pura e simplesmente me quis ali... encostado à janela, e, como em tantas outras visitas a carruagens como esta, de costas para o sentido do movimento de mais um comboio, no fim de mais um dia. Entorpecido encosto a cabeça ao vidro e assim que se sustem o movimento do meu corpo, sujeito agora apenas aos solavancos dos carris, sou invadido novamente por tudo aquilo que me sufoca e me absorve. Aquelas vozes incansáveis e impossíveis de emudecer que nos tentam mostrar que grande parte do nosso ser é tudo menos imutável e que este se deixa lapidar de uma forma exagerada pela vida que levamos ou que nos fazem levar, mesmo que isso nos atormente. Senti-mo-nos paradoxalmente sós e presos a este viver comum, mas ao mesmo tempo convergimos no limite para este Ser único, esta consciência que a cada um de nós, egoístas criaturas, liga a todas as outras, eternas responsáveis. Continuo assim a viagem, embriagado pelos propósitos da minha própria existência, por tudo o que me faz ser quem sou e por tudo o que me obriga a viver assim mesmo que não o queira, e de repente algo me desperta e me traz para fora de meus pensamentos. Algo no vidro. Deixo de conseguir ouvir as súplicas e de registar as quasi-talmúdicas discussões entre as "animadas" faces do meu sub-consciente. Permaneço ali, atónito perante aquela imagem. Todo o meu intelecto emerge deste transe envenenado e concentra-se naquela imagem que me acorda de traços tão (naturalmente) familiares. Olho assim o meu reflexo na janela deste comboio e permaneço assombrado por simplesmente já não o conhecer.»
Ser um beijo de Primavera E a Primavera que beijo; Ser a distância e o perfume Que a ti me une nesta fragrância! Ser a razão do conceito E o conceito perene da razão. Ver e descobrir que, afinal, A carícia de vento não é vendaval! Amar-te, com o coração em flama Num peito em que ateaste tal chama. Ser a distância, para me aproximar; Ser o tempo, para te amar! Pisar o teu país verde, de mar e serras; Ser o amor que no peito encerras. E, chorar uma cálida lágrima feliz. Sorrindo, dizer-te: «Foi Deus que o quis»...
Como é bela, A planície aquela... Onde meus olhos hesitam, Rebeldes, palpitam Nas crinas do vento. Vai! Oh pensamento!
Vai! Busca a paz, Abranda o tormento Acalma a dor, se és capaz... Mas vai! Sobe ao firmamento, Arrasta a estrela que te apraz! Mas vai... oh, pensamento!
Milhões... A atraiçoarem o silêncio! Esquecimento dentro das tuas reflexões. Silêncio... Esquecer a génese do querer Viver... Moisés a descalçarem sandálias, A descalçarem na malícia... Pés a proclamarem a Fé Dentro da imanência do É! Barro... Moldando a verdade. Porquê? O quê? Liberdade aprisionando O quê? Porquê? Profeta que já não usas o gesto, Protesto!
«A Tranquilidade da Alma não se Alcança em Viagens
Pensas que só a ti isso sucedeu; admiras-te, como se fosse um caso raro, de após uma tão grande viagem e uma tão grande variedade de locais visitados não teres conseguido dissipar essa tristeza que te pesa na alma!? Deves é mudar de alma, não de clima. Ainda que atravesses a vastidão do mar, ainda que, como diz o nosso Vergílio, as costas, as cidades desapareçam no horizonte, os teus vícios seguir-te-ão onde quer que tu vás. Do mesmo se queixou um dia alguém a Sócrates: «Porquê admirar-te da inutilidade das tuas viagens,» - foi a resposta, - «se para todo o lado levas a mesma disposição? A causa que te aflige é exactamente a mesma que te leva a partir!» De facto, em que pode ajudar a mudança de local, ou o conhecimento de novas paisagens e cidades? Toda essa agitação carece de sentido. Andares de um lado para o outro não te ajuda em nada, porque andas sempre na tua própria companhia. Tens de alijar o peso que tens na alma; antes disso não há terra alguma que te possa dar prazer!
Temos de viver com essa convicção: não nascemos destinados a nenhum lugar particular, a nossa pátria é o mundo inteiro! Quando te tiveres convencido desta verdade, deixará de espantar-te a inutilidade de andares de terra em terra, levando para cada uma o tédio que tinhas à partida. Se te persuadires de que toda a terra te pertence, o primeiro ponto em que parares agradar-te-á de imediato. O que tu fazes agora não é viajar, mas sim andar à deriva, a saltar de um lado para o outro, quando na realidade o que tu pretendes - viver segundo a virtude - podes consegui-lo em qualquersítio».
Recordo a majestade da velha taifa de Zaragoça abrigada aos pés da Virgem do Pilar e sinto o peso imponente da Espanha que emerge entre restos de Império Romano e pedaços do califado de Córdoba.
Em Aragão, olhando o rio Ebro, faço sínteses mentais sobre a Justiça e quiçá esta chuva que tomba, insistente e miúda, lave a alma mesquinha de gentes quezilentas e cheias de si mesmas. Aqui a História pesa e Reis Católicos já não se chamam Fernando e Isabel...
Medito, mas não rezo. Que Credo gostariam que professasse? As religiões do Livro desencontram-se nas esquinas da História e rituais que são hábitos só vestem de trapos túmulos caiados.
O meu Credo é de silêncio e sei que a Primavera germinará no coração do Homem justo.