Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Clara manhã

 

Toshizo Nakane


Clara manhã, nas brumas do parque.

Alma límpida do dia boreal...

E este silêncio, no secreto segredo

Que arfa em nós na rósea,

Cristalina luz!


Clara manhã, dos dias ou pérolas

Que desfiamos do imenso colar.


E a secreta esperança que reluz

No âmago do sonho inicial...

E este silêncio, no secreto segredo

Que arfa em nós na rósea,

Cristalina luz!


Ana



domingo, 15 de novembro de 2020

Joana Lapa

 

                                                                    Maria João Fernandes


Às vezes passeio pela memória, escorrego no tempo interior, e tenho reencontros felizes. Olho, vagamente um quadro dependurado na minha frente. Está ali há tempos. A sua autora já habitou os meus dias como o quadro se instalou na minha parede ainda há mais tempo. Ah, o Tempo que não devora tudo! Desiludam-se os Antigos...eu prefiro Sophia de Mello Breyner, 


Não se perdeu nenhuma coisa em mim.

Continuam as noites e os poentes

Que escorreram na casa e no jardim,

Continuam as vozes diferentes

Que intactas no meu ser estão suspensas.

Trago o terror e trago a claridade,

E através de todas as presenças

Caminho para a única unidade.


Maria João Fernandes foi minha professora de Literatura e eu, qual Saramago a ler Ricardo Reis (que ousadia), pensei durante algum tempo que Joana Lapa seria outra pessoa. Afinal, a minha mestra, mulher de muitos talentos - professora, crítica de arte, ensaísta, curadora, poetisa, humana de olhar claro e doce - escreve poemas por detrás de um pseudónimo. O mesmo que ali está na serigrafia de homenagem a Almada Negreiros: Joana Lapa. Conheci-a tão jovem. Acreditou tanto em mim. Ah, não sei se a não defraudei...

Aqui vos deixo um dos seus poemas: (daqui)

                                                                                       

 No litoral submerso do meu ser

a pena de uma gaivota

amante do verão

escreve os gestos da espuma.

 

O pássaro a que pertence

atravessou o sol,

as fronteiras do dia

para acordar no lilás das sombras

a ressurreição do mundo.

                         Cadernos do Vento



                                                                           «La poesía nos viste de resurrección»

                                                                                          Alfredo Pérez Alencart

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Intimamente

 

G. Ribeiro Teles


Olho pela vidraça. Há flores e folhagem verde, como se a Natureza se distendesse após os calores tórridos deste Verão que aturdiu e cegou os pássaros cansados. O cansaço da corrida diária pode arredar a adrelina dos dias. Silêncios. Pássaros tardios. Silêncios.
Tu não sabes e não podes adivinhar. Cada dia é um limite. Cada dia dia o limite se alonga como um horizonte na planície. Cada acção se paga, cada deslize se reflecte no narcísico lago. A prosa dos dias.
Trabalhamos em universos infinitos: virtuais, parciais e reais... mas já perdemos a noção do Real. Ricardo Reis vai ajudando a aceitar o destino. O seu ritmo cadencia a minha voz...Os sábios de Alexandria ficaram próximos, descemos até à Pérsia. Percebeste que o planeta ficou minúsculo, eu percebi que os dias se tornaram muito pequenos e que, neles, não cabe a minha vida toda. 
Quero que cumpras a tua vida e que não cedas à desesperança. Sorrio como posso e, intimamente, desejo que o meu olhar ainda te conceda algum brilho. Às vezes penso que talvez se tenha apagado a velha luz, que os anos desbotem a empatia e que tudo se tenha tornado asséptico.


                                                                         in, Jornal d Madeira