Luís Ponte |
CML - Avenida da Liberdade
A sala é rectangular, repleta de uma luz plena de meio dia.
Duas portas - janelas abrem-se sobre as copas de árvores. Só vejo verde escuro de jacarandás sem flor. A cor marfim das paredes é suave e os quadros têm um bom gosto asséptico.
As cadeiras em volta de uma mesa baixa ficam longe demais das revistas usadas. Ninguém arrisca levantar-se para agarrar numa. Do meu lado direito, a mulher jovem telefona compulsivamente. O castanho mel dos seus olhos repousa num leito levemente avermelhado. Chorou há pouco, talvez. Do meu lado esquerdo um casal, acima dos sessenta, aperta uma pasta de exames e pergunta pelo médico de serviço. O veredicto deve ser rápido, solicita o homem habituado a controlar as situações e a proteger a mulher magra. É o único homem. Outras mulheres que vestem castanhos diversos. A quase adolescente meneia a cabeça ao som do mp3 que lhe entra no cérebro e disfarça, com um olhar negro e triste, o facto de estar naquele lugar de mulheres. Ela tem o problema, penso com melancolia.
A esta hora José come castanhas fumegantes, fuma ou talvez vaguei na loja dos museus, ali aos Restauradores. Quero sempre ficar sozinha, mas tenho um medo irracional de felino aprisionado.
Aqui, Avenida da Liberdade. Prédio velho, mas belo...quase familiar. Sem poesia. O corpo, agora nu, esmiuçado pela máquina digital. O corpo, frágil máquina em revisão.
Fico tonta. As salas são labirintos entre corredores estreitos e eu só sei de lugares abertos que não me aprisionem.
Agora vestido, o corpo é, outra vez, eu!
Desço as escadas, a luz atordoa-me. José está ali. Vamos! Quero ir.
O corpo frágil, ágil, vai.
Ana
24 comentários:
A foto me fez morrer de saudade!
Ana, sério mesmo, vc é uma escritora de prosa e verso. Como escreve bem!
Como acho que tudo é ficção, ainda mais textos assim, escritos por escritores; caso não, é autobiográfico... espero que vc esteja bem.
Lindo, lindo, Ana.
Que saudade...
Bisous .
Muy bién escrito.Volveré muchas vezes aqui!
Um excelente retrato do quotidiano.
Num belo texto, que é suportado pelo saber olhar...
Gostei imenso querida amiga Ana.
Boa semana, beijos.
Ana,
Relato perfeito de uma cena do quotidiano de tantas mulheres... quase se adivinham o ambiente e os rostos. Quase estive lá... e na Av.da Liberdade.
Beijo
Que lindo. Hoje dediquei me a ler os seus post's e concordo ' escritora de prosa e verso. ' :)
Beijinho, Laura
Olá... também sinto-me assim nesses espaços esterilizados: parece que perdemos nossa identidade.
Boa semana, querida!
Bjs.
Querida Ana
De repente fiquei preocupada. Está tudo bem?
A descrição é demasiado real, embora perfeita.
Já é um pouco tarde(estive sem Net) mas voltarei.
Beijinhos, com muita amizade.
Isabel
Teu blog é sempre um acalento para a alma!
Abç!
Agora enganou se. Já pode dizer dezasseis :)
Beijinho
É o melhor post do seu blog, mesmo! Acho que vou lê-lo mais umas quantas vezes.
Tenho andado fora destas andanças... Aliás, tenho andado fora de todas as andanças, e obrigada pela preocupação que demonstrou lá no meu blog, mas isto não é nada e vai passar. Eu prometo que compenso as notas dos testes no próximo período.
Beijinhos
Que bela descrição!!!...
Diria muito comercial;lê-se e
volta-se lá.... .E uma foto
lindíssima também.
Beijo
Sensível crônica, Ana, também tenho essas sensações diante de exames médicos, frios, longe de todo sonho que é minha vida.
Muito bonito isto:
"...Quero sempre ficar sozinha, mas tenho um medo irracional de felino aprisionado..."
Grande abraço.
como uma borboleta que queima as asas no abismo..
beijo
Detectei um ataque de «spam» neste meu post., daí a necessidade de eliminar vários comentários.
Comprova-se a necessidade de MODERAR, como só mais tarde descobri.
Coisas de analfaneta...
Hello. And Bye.
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