Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quarta-feira, 30 de março de 2016

Herança

Vladimir Kush, Favourable winds


Que faremos se o vento mudar e, humanos, vierem os seres questionar-nos sobre o porvir? Que diremos se o passado florir nos íngremes caminhos da memória? Agitaremos ao vento quieto do Sul a chama de uma esperança longínqua. 
Nunca me digas, aquilo que o pesadelo nocturno me desenha e agita. Nunca admitas que vamos num retrocesso, num regresso veloz directos à barbárie - homo sum!
O medo espreita as sombras e desenha pavores, mas a claridade quente dos dias desponta por detrás de cada ideal que encha o coração humano da sua bondade mais pura.
Um dia, quente e azul, redescobriremos a rota perdida onde a justiça nos irmanará - essa será a herança!

Ana



domingo, 27 de março de 2016

Passagem

Salvador Dalí, Premonição da Guerra


Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que estereliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.


Carlos Drummond de Andrade






Passagem = Páscoa