Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

domingo, 31 de maio de 2009

Sim, sei bem

Acácias


Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.

Fernando Pessoa



acácias

sábado, 30 de maio de 2009

Sujeito oculto


C. Portinari

O problema são as conjunções desconjuntadas
As interjeições rejeitadas
Os adjetivos desajeitados
Os substantivos sem substância
As relações de deselegância entre as palavras.

É preciso superar o superlativo:
O absoluto sintético
E o analítico.
Achar o verso
Entre o verbo epilético
E o pronome sifilítico.

Falta definir o artigo inoxidável
O numeral incontável, impagável.

Resta procurar o objeto direto
Situar o particípio passado
E o pretérito mais-que-perfeito

Desvendar a rima
Desnudar a palavra
Encontrar o predicado
E revelar o sujeito.

Victor Colonna
(poeta brasileiro)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Caligrafias...

Babilónia, Shamash, B. Museum


Recebi de Luz de Luma o desafio/brincadeira de, no tempo das teclas, mostrar-mos um pouco das nossas caligrafias. Saudosamente, recordei os velhos cadernos de duas linhas e os milimétricos, os aparos de letra inglesa e os da letra gótica, as canetas que ainda uso...sim, sou fanática por canetas de tinta permanente e só cedo a uma «bic» de trabalho. Faço parte dos que escrevem a preto e a minha caligrafia tem dias, mas, assim, numa folha branca sem linhas perde toda a rigidez e certezas do costume...que se cumpra a brincadeira!
E, cá vou eu desafiar cinco «bloguistas» amigas, neste caso, um pouco vítimas:


Isabel

Janaína

Juli

Helô

Cristina






escrita babilónica, Portal da História




terça-feira, 26 de maio de 2009

Aleph

Remedios Varo

«Tudo leva a crer que existe um certo ponto onde a vida e a morte,

Remedios Varo

o real e o imaginário
,

Remedios Varo

o passado e o futuro,

Remedios Varo

o comunicável e o incomunicável,


o alto e o baixo cessam de ser vislumbrados contraditoriamente».

André Breton, 1930

(Para o Miguel Angel que me ajudou a conhecer Remedios Varo)

domingo, 24 de maio de 2009

cacofonias apolíticas...

Roland Penrose


Deixem-me falar...



Roland Penrose


Falemos outra vez dos sonhos,


Roland Penrose

Suaves fiapos desta luz...


Roland Penrose

No alvorecer...


Roland Penrose

...Da Verdade!


Ana

Helô Spitali


Recebi da minha amiga todos estes prémios virtuais... Heloísa é como um raio de afectividade que nos diz «presente» e anima a sermos felizes.
Do outro lado do Atlântico é meiga e carinhosa, com o extravazar de afectos que o sabor da tropicalidade moldou no seu ser.
Obrigada, amiga!

obrigada, Helô!










quinta-feira, 21 de maio de 2009

«Cântico Negro» - a propósito...

Casa Museu José Régio , CM de Portalegre

CÂNTICO NEGRO

"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.

José Régio


quinta-feira, 14 de maio de 2009

Frágil ...transitório


Eva Barberini - carezza di luce



«Ah, como te torces dentro de ti! Também tu então nada sabias de ti! Também eu te trouxe a notícia das trevas onde hás-de acender a nova luz. Céus! Mas então eu fui necessário! Todo um mundo duvidoso esperava o novo Messias! Sofre amiga! Trago comigo a destruição dos mitos que inventaste, desses cómodos sofás em que instalaste o teu viver quotidiano, como esse em que estás sentada. Mas eu não te ensinei nada! Ninguém nos ensina nada, talvez, minha amiga. Só se consegue aprender o que nos não interessa. Porque o mais, o que é do nosso fundo destino, somo-lo: se alguém no-lo ensinou, não demos conta disso. Ensinar então é só confirmar».

Vergílio FERREIRA, Aparição, 70.ª ed., Bertrand editora, Lisboa, 2004, pág.95

Ler e/ou reler Vergílio Ferreira é sempre a "vertigem".


http://biblioteca.universia.net/ficha.do?id=30815173

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Amizade





A minha amiga Bípede Implume é uma presença suave, mas forte, dessas tranquilidades seguras que revelam um ser humano na verdadeira acepção do termo. O blogue dela revela esse ser sensível, de escolhas sóbrias e acertadas. Recebi dela este selo que muito me honra e anima, neste cansativo dia de Maio escolar em recta final...
Mandam as regras que o passe a dez blogues amigos. Uma vez mais teria enorme dificuldade em seleccionar/fragmentar os meus amigos...adicionei na minha barra lateral todos os que o poderão levar como sinal de encontro e de promotores de sentimentos fraternos.
Obrigada, Bípede. Acrescentaste humanidade à minha vida!
Obrigada!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Recordando...com saudade


Disco de Festos - Museu de Heraklion


Que a brisa de Creta,
Humana e recta,
Me acaricie assim
E me desprenda de mim
.
Quente, suave...
Voo de ave,
Céu branco,
Ténue e luminoso.
Olhar franco,
Doce e zeloso...
Que a brisa de Creta,
Rósea e clara,
Ave rara
Maternal
Fraternal
Inicial!


Ana

sábado, 9 de maio de 2009

Amizade - Utopie Calabresi




http://utopiecalabresi.blogspot.com/

Recebo esta distinção no dia em que projecto regressar a Itália - lá mais para o verão- e quando acabo de falar para Milão com a minha amiga Mariangela, para felicitá-la pela chegada aos seus cinquenta anos (tão engraçado ouvi-la lastimar-se na sua bela e cantada língua) ... ainda dizem que não há coincidências!
Domenico, do blogue UTOPIE CALABRESI é um amigo recente, mas de grande valor, pois o seu blogue denuncia uma qualidade apreciável e, além do mais, é um amante do nosso país. Neste momento em que até nos apetece não gostar dele, deveremos reflectir um pouco mais sobre o tema...

OBRIGADA DOMENICO, honra-me muito a sua distinção!


Cumpre-me passar este selo a todos os meus amigos da minha barra lateral direita. Impossível distingui-los. Eles são de todos os credos. Eles são de todas as cores. Eles são a minha escolha «lovely» no mundo imenso da blogosfera.

OBRIGADA, DOMENICO E OBRIGADA MEUS AMIGOS.

Ana

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Que fizeste das palavras?


laranjas, wikimedia


Que fizeste das palavras?
Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?

E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e o sol dos cavalos?

Que lhes dirás, quando
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram?

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 1 de maio de 2009

UM LIVRO


Ponte Vasco da Gama photobucket.com

Seis horas seguidas de trabalho.
Varar as estradas rectas da planície rumo a Lisboa, ao lado as águas azuis da barragem. Clima instável: na escola dois inimigos que se degladiaram em tribunal concorrem a directores ... por cima, um tecto cinzento que ameaça desabar em chuva. Talvez estejamos cansados, mas lá vamos nós.
Lisboa está próxima e, assim, com sol e vento é dinâmica e bela. A ponte atira-nos para lá do Tejo. Ficámos longe, de repente. O trânsito...o trânsito. Lá estamos.
Pedaços de discurso do embaixador do Brasil sobre o papel do Rei Dom João VI na construção da bela Biblioteca Nacional do Brasil. O ministro da cultura, com aqueles óculos irónicos e gestos exagerados, o presidente da autarquia com um ar de circunstância...
Que cheiro a pipocas e massa frita!
Estamos na Feira do Livro, pequena, e falta luz, portanto, não há café...
Trouxe um António Baião, um Eco e uma velha gramática de Latim.
Todos os anos ali vou, numa espécie de ritual de juventude.
Gosto do lugar e gosto de livros.
Regresso.
Parque Eduardo VII, Lisboa

«Um livro,
um livro cheio

de contactos humanos,
de camisas,
um livro
sem solidão, com homens
e ferramentas,
um livro
é a vitória.»

Pablo Neruda,
Ode ao Livro (2)



Crise económica ... crise social