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Dinamarca |
Eu não sabia ainda que havia na distância um país chamado Dinamarca. Nem conhecia essa gente feliz debruçada sobre as frias águas. Na minha terra as ruas eram de cubos de granito quente, pois o sol torrava os longos dias de Verão. Era criança. Alguns meninos corriam descalços e outros tinham sandálias de plástico castanho. As minhas meias eram curtas e brancas, feitas por habilidosas mãos de mulheres, e magoavam-me os pés...
A carrinha chegava e eu corria até ao Largo das amoreiras, onde o único táxi esperava festas e urgências. A desengonçada da carrinha era cinzenta e, dentro dela, bucho cheio de livros aos solavancos. Os dias longos eram de leitura aditiva. Os olhos percorriam, encantados, linha após linha e, amiúde, uma necessidade de cheirar a obra entreaberta impunha-se em intervalos. Foi assim que, aos catorze anos, conheci Soren Kierkegaard e a sua inquietação. Li com obsessão o Banquete (in vino veritas) e ouço até hoje a conversa crepuscular e as rolhas em estalidos. Nasceu aí um desespero consciente, uma crença sólida no humano, uma busca existencial sem tréguas.
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Vale de Açor, Ponte de Sor |
Percorri, depois, muitos trilhos. Nenhuma distância é temível na extrema solidão dourada da planura. Leio, agora, em castelhano, do mesmo autor, La Enfermedad Mortal, e penso no meu país natal.
«Aqui estamos perante o imediato com uma reflexão simplesmente quantitativa. Aqui não há consciência infinita do eu, do que é a desesperação, nem da natureza desesperada em que cada um se encontra, aqui desesperar é, simplesmente, sofrer.».
Sim, eu sei que extrapolo, que socializo a íntima inquietação e o desespero existencialista de um autor frustrado, diria mesmo, oprimido pela crença empedernida de seu pai. Porém, em dia chuvoso, relendo Kierkegaard, neste cinzento país de crenças confusas, só vos posso falar de um abismo íntimo aonde a fé e a identidade se perdem em diálogos antigos.
Ana