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Tulipa laranja |
Leio mais um processo inquisitorial. Surpreende-me, outra vez, este rigor miudinho de antanho. Minúcia e excelência no trabalho jamais se identificaram com o Bom, com o ético...A luz coada que entra no silêncio casulo da Torre do Tombo acolhe velhos judeus que caminham, ainda, pelas ruas frias de Amesterdão.
Manuel Bocarro Francês - médico, matemático e astrónomo - que há-de ser, depois, aquilo que fora - Jacob Rosales - anda por Hamburgo, conversa com Kepler e seguirá para Roma para publicar a sua obra sob os auspícios de Galileu Galilei. Os príncipes da Europa reclamam os seus cuidados médicos e a morte surpreende-o em Florença quando cuida da duquesa de Strozzi.
Homens sábios, afáveis e justos desfilam sob os meus olhos à crua luz lisboeta do século dezassete. Estão nos Autos. As suas vidas foram afastadas de um país mesquinho em que uma escuridão se adensa, como espectáculo mundano, ali, de costas para o Tejo.
Autos da Fé, do medo e da coacção.
Emigradas da Turquia, com seus turbantes coloridos, tulipas ladeiam o meu jardim. Vieram da Holanda num dia de Verão, nas mãos do meu filho, e recordam-me que fui capaz de passar o testemunho.
Não podemos abdicar. O Carnaval que enche as nossas praças seculares há-de ter um fim.
Ana