Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

segunda-feira, 29 de julho de 2024

A professora de Latim

 

Joana de Barros Baptista

"Dotada de uma visão profundamente humanista, sensibilidade que cultivou ao longo de anos enquanto professora nos ensinos secundário e superior, Joana de Barros Baptista cedo abraçou a ação cívica", recordou a família. (imprensa)




Querida Professora.
    Eu sou aquela miúda alentejana que fazia, duas vezes por semana, o percurso de Ponte de Sor até à Faculdade de Letras em Lisboa para assistir às suas aulas de Latim - eram quase seiscentos quilómetros semanais. 
    Espantou-se de eu ser alentejana, assim tão branca e de olhos claros. Só me reconheceu a determinação silenciosa, quase com ar de fragilidade, que a planície nos confere. Falei-lhe nesta bastardia de tantos invasores que a genealogia comprova e a geografia oculta.
    Ic sum  , dizia-lhe à entrada. Receio que a voz não escondesse um certo tremor que o medo de falhar sempre acompanha. A velha cave da Faculdade vergava-se ao peso das Línguas Clássicas e, nós, os das Românicas tremíamos na desvantagem que o Latim nos impunha. O nosso amor era feito de Teorias Literárias e de Literaturas. Sei que o adivinhava e a sua voz apressada transitava para a cultura romana, bem mais fascinante.
    Nos dias de frequência para avaliação, ía mentalmente declinando palavras, conjugando intrincados verbos e revendo as tantas excepções às inúmeras regras. Ah ... o Latim! Quatro anos de estudo de uma Língua que se vai apagando na memória!
    Porém, tinha que me despedir de si, neste dia. 
    Bem-haja, por ter cruzado o meu caminho.
    A Deus, professora Joana de Barros.


                                                         Ana Maria

"Joana de Barros Baptista (Lisboa, 16 de setembro de 1935 — Lisboa, 28 de julho de 2024) foi uma professora e defensora dos direitos da mulheres, em Portugal. Participou na criação do primeiro mecanismo oficial para a igualdade entre mulheres e homens, em Portugal. Em 2021, foi condecorada com a Ordem da Liberdade." (Wiki)

terça-feira, 16 de julho de 2024

NÃO PRECISO DE DINHEIRO

 

Alvor, Junho de 2024



Eu não preciso de dinheiro
Preciso de sentimentos.

De palavras, de palavras escolhidas sabiamente.
de flores, chamadas pensamentos,
de rosas, chamadas presença,
de sonhos, que morem nas árvores,
de melodias que façam as estátuas dançarem
de estrelas que murmurem ao pé d’ouvido dos amantes…

Preciso de poesia,
essa magia que queima o peso das palavras,
que desperta as emoções e dá cores novas.

Alda Merini (Milão, 1931 - 2009), a "Miúda de Milão"


Original:

NON HO BISOGNO DI DENARO


Io non ho bisogno di denaro.
Ho bisogno di sentimenti.

Di parole, di parole scelte sapientemente,
di fiori, detti pensieri,
di rose, dette presenze,
di sogni, che abitino gli alberi,
di canzoni che faccian danzar le statue,
di stelle che mormorino all’orecchio degli amanti…

Ho bisogno di poesia,
questa magia che brucia le pesantezza delle parole,
che risveglia le emozioni e dà colori nuovi.




quarta-feira, 10 de julho de 2024

Despertemos!

 




    As alegrias são breves - como no soberbo título de Vergílio Ferreira -  e sobre isso não nos restam dúvidas.
Assim foi, feliz de ter torneado o meu problema ocular mais uma vez, eis-me atacada pela minha primeira infecção por covid19. Irónico, não é?
    Numa das idas à capital (que em bom rigor, dizem-me, ainda é Coimbra), lá percorri a Feira do Livro de Lisboa e me actualizei de mais umas novidades. Entre elas, este admirável livro ou manifesto do centenário Edgar Morin que, há dias, completou 103 anos e continua senhor de uma lucidez e de uma capacidade de síntese mental extraordinárias.
    Uma obra que prova bem como a linguagem da esperança nunca se deverá perder. Uma obra que desdiz esta sociedade fútil submetida ao deus da Economia e do individualismo na qual o preconceito designado por "idadismo" se tornou omnipresente - Tanto no trabalho, como nas relações sociais.
    Certo que tenho a mesma ascendência étnica, certo que penso como ele até sobre esse facto:


""Os judeus de Israel, descendentes das vítimas de um apartheid denominado ghetto, guetificam os palestinianos. Os judeus que foram humilhados, desprezados, perseguidos, humilham, desprezam e perseguem os palestinianos. Os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem a sua ordem impiedosa aos palestinianos. Os judeus, vítimas da desumanidade, mostram uma terrível desumanidade." (WIKI)

    Admiro-o na lição de sabedoria que esta obra contém, pois é difícil manter a esperança no mundo que habitamos. Despertemos! do sonambulismo geral em que parecemos viver, enquanto o mundo se transforma.