Rara Avis in Terris, JUVENAL, Sátiras, VI, 165

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tomas Tranströmer - o Nobel e Portugal



Nobel da Literatura 2011






FUNCHAL

O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, 
construída por náufragos.
Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim 
as rajadas de vento do mar.
Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa 
dois peixes, segundo uma antiga
receita da Atlântida. Pequenas explosões de alho.
O óleo flui nas rodelas do tomate. Cada dentada diz-nos que
o oceano nos quer bem,
um zunido das profundezas.

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos 
as agrestes colinas floridas,
sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, 
bem-vindos, não envelhecemos. Mas já suportámos tantas 
coisas juntos, lembramo-nos disso, momentos em que 
de pouco ou nada servíamos (por exemplo, quando esperávamos 
na bicha para doarmos sangue ao saudável gigante –
ele tinha prescrito uma transfusão).
Acontecimentos, que nos poderiam ter separado, se não nos tivessem 
unido, e acontecimentos
que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!
Eles tornaram-se pedras. Pedras claras e escuras. Pedras de 
um mosaico desordenado.
E agora mesmo acontece: os cacos voam todos na mesma direcção, 
o mosaico nasce.
Ele espera por nós. Do cimo da parede, ilumina o quarto de hotel, 
um design, violento e doce,
talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo 
quando tiramos as roupas.

Ao entardecer, saímos.
A poderosa pata azul escura da meia ilha jaz expelida sobre o mar.
Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados, amigavelmente, 
suaves controlos,
todos falam, fervorosos, na língua estranha.
“ Um homem não é uma ilha “

Por meio deles fortalecemo-nos, mas também por meio de 
nós mesmos. Por meio daquilo que
existe em nós e que o outro não consegue ver. Aquela coisa 
que só se consegue encontrar
a ela própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula 
contra a boa escuridão.
Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante 
que propaga o silêncio.
Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce. 
Um livro que só no escuro se consegue ler.





LISBOA

No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas
subidas.
Havia duas prisões. Uma delas era para os gatunos.
Eles acenavam através das grades.
Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados!

"Mas aqui", dizia o revisor e ria baixinho, maliciosamente,
"aqui sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada
e em cima, a uma janela, um homem,
com um binóculo à frente dos olhos, espreitando
para além do mar.

A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde, perguntei a uma dama de Lisboa:
Isto é real, ou fui eu que sonhei?

Tomas Tranströmer, poeta sueco


tradução de Luís Costa






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EM PORTUGUÊS:
21 poetas suecos, publicado em 1981 pela editora Vega, uma obra organizada por Vasco Graça Moura e Ana Hatherly

9 comentários:

Guma disse...

Olá Ana,

Muito a propósito. Hoje quis conhecê-lo e aqui o vim encontrar.
Ficou o desejo de o conhecer melhor.
Gostei muito.

Beijo e kandandos, inté

Rogério G.V. Pereira disse...

A ler
se entranha
e não se estranha
apenas nos surpreende

Tenho de outra coisa
para desempatar uma impressão

è que - sabe?
é tão fácil falar de coisas belas
mais dificil é poemar sobre quem vive nelas

(gostei e agradço)

Eva Gonçalves disse...

Faço minhas as palavras do Guma. Não conhecia nada e adorei o que aqui li! beijinho

Olinda Melo disse...

Escrita envolvente.

Obrigada por estes apontamentos.

Bjo

Olinda

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

Saio daqui mais rica...não sabia muito a respeito dele.


Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora

mixtu disse...

excelente...
desconhecia que tinha escrito sobre Portugal
Abrazo

Fê blue bird disse...

Dois dos seus poemas sobre Portugal cheio de metáforas e ao mesmo tempo com uma linguagem simples.É sempre bom saber que a poesia, mãe de todas as literaturas é celebrada.

beijinhos e bom fim de semana amiga Ana.

Bípede Implume disse...

Querida Aninha
Minha querida professora também. Li a notícia nos jornais e fiquei com curiosidade. E aqui fiquei a conhecer um bocadinho mais. Gostei muito.
Bom fim de semana.
Beijinhos
Isabel

Anónimo disse...

Boa noite, Ana

Eis a atribuição do Nobel a um poeta.

Agora, diz tu: a Sophia não teria merecido com toda a honra e mérito...

Resposta óbvia: SIM!

(Haverá quem duvide que teria Dez nas notas Técnica e Artística... Evidentemente que não!)

Vou estar atento a este laureado.

Bjs